A poesia que vem de Brasília - Elisa Ribeiro
Imagem Pinterest - Graffiti |
MEIO-DIA, EM BRASÍLIA
Quero-queros passeiam como se nada se passasse
atenta aos meus passos, circundo os ninhos
não quero que pese sobre meus ombros
a culpa pelos ovos partidos.
atenta aos meus passos, circundo os ninhos
não quero que pese sobre meus ombros
a culpa pelos ovos partidos.
Ante os coletivos que circulam solitários
vejo brotar marmitas em esquinas que não existem
(cada um sobrevive como pode)
nenhum carro para,
eu, a pé, hesito em correr o risco
— o dinheiro, o cartão, o toque, a mão —
desisto de fazer a parte ínfima que me cabe
que alguém mais nobre a faça por mim.
vejo brotar marmitas em esquinas que não existem
(cada um sobrevive como pode)
nenhum carro para,
eu, a pé, hesito em correr o risco
— o dinheiro, o cartão, o toque, a mão —
desisto de fazer a parte ínfima que me cabe
que alguém mais nobre a faça por mim.
Conforta-me a grama onde meus pés afundam
sou grata porque meus pais já partiram
minha geração assiste soturna
a descontinuidade da sorte
que tivemos até aqui.
sou grata porque meus pais já partiram
minha geração assiste soturna
a descontinuidade da sorte
que tivemos até aqui.
IMPOSTORA
Escrevo não porque esteja alegre ou triste
mas porque a palavra que existe
em mim insiste
em tomar forma
[como agora]
mas porque a palavra que existe
em mim insiste
em tomar forma
[como agora]
Escrevo não para homenagear alguém
Mas porque o verso me vem
Do acaso, do além, da memória
[semente invisível
plantada em lugar propício
brota]
Mas porque o verso me vem
Do acaso, do além, da memória
[semente invisível
plantada em lugar propício
brota]
Escrevo também
porque as palavras abrem portas
de acesso ao que me vai por dentro
me desbravo quando escrevo
porque as palavras abrem portas
de acesso ao que me vai por dentro
me desbravo quando escrevo
procurando respostas.
Casal - óleo sobre tela - Naza |
INTERMITÊNCIAS
Penetra a trama do meu vestido
desfaz o liso dos meus cabelos
qualquer brecha é caminho
arrepia-me os pelos.
Sibila nos meus ouvidos
delícias que eu não entendo
cerra meus olhos, prefiro
alongue-se e seja lento.
Dança comigo, aproveita
meu corpo servil ao seu ritmo
por um tempo
até que a chama se extinga
sem deixar qualquer vestígio
ao sopro do próximo vento.
Monika Luniak - óleo sobre tela |
REGRESSO
Do mar chegam-me sopros,
retalhos de poemas, versos soltos,
farta luz que não registro
perdida em azuis
ausentes em tempos outros.
Do mar chegam-me ventos
devassam meu quarto,
rasgam meu sono em sonhos
feitos de fragmentos
misturados de outros tempos.
Do mar chega-me a calma das marinas
desmentida pela altivez dos mastros
e o acre do sal nas narinas,
intervalo entre aventuras,
miragem como as sereias.
Do mar chegam-me ecos
e o instante possível,
barcos de papel, areias e castelos,
espuma branca sobre verdes transparentes.
VOLÁTIL
Escolhi vestir-me de plumas,
não de ouro como as outras, pesada.
Não sou notada na festa, pouco importa.
Flutuo invisível. Prefiro, me basta.
Sem peso, alheia e abstrata,
meus pés tocam de leve a terra
e o vento, ainda que inexistente,
apaga minhas pegadas.
Do passado precioso, juntei retalhos,
fragmentos que remendo,
paraquedas no meu voo solitário.
Distraída, lanço à sorte os dados
o futuro é apenas contingência
não há certezas, só presságios.
Maria Elisa S Ribeiro – nasceu no Rio de janeiro e vive em Brasília. Escreve contos, poemas e
dramaturgia. Tem textos publicados em antologias e
coletâneas e escreve regularmente nos blogs coletivos de autores As
contistas (https://ascontistas.wordpress.com/) e Janela de poesia
(https://janeladepoesia.wordpress.com/)
(https://janeladepoesia.wordpress.com/)
Amei seus poemas. Me vi em algumas palavras. Me encontrei um pouco, nesse vendaval. Parabéns. Gratidão pela partilha.
ResponderExcluirSempre prazeroso ler seus poemas. Técnica e mensagens fundidos em versos sonoros e comunicativos. Parabéns.
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