A ternura poética de Nic Cardeal - 5 poemas
"L'amour" Luciane Valença |
FAÇA DE CONTA
que hoje é domingo,
que amanhã é domingo,
depois, domingo!
que amanhã é domingo,
depois, domingo!
Esqueça que um dia tivemos semanas,
que os meses foram estendidos em calendários insanos,
e os anos, um a um,
passantes despercebidos da nossa pressa vertiginosa!
que os meses foram estendidos em calendários insanos,
e os anos, um a um,
passantes despercebidos da nossa pressa vertiginosa!
Domingos são dias de soprar esperanças,
faz-se necessária a alegria inundando a casa inteira,
brinca-se de olhar à janela e observar as nuvens,
estende-se a rede na varanda, no quintal, na sacada, ou mesmo na sala,
e se você quiser, é permitido o balanço!
faz-se necessária a alegria inundando a casa inteira,
brinca-se de olhar à janela e observar as nuvens,
estende-se a rede na varanda, no quintal, na sacada, ou mesmo na sala,
e se você quiser, é permitido o balanço!
Pode-se dançar aos domingos,
olhar ao espelho, esquecendo as rugas, os brancos, os ranços,
é permitido os olhos no espelho,
como se adentrassem aos olhos do espelho,
até sumir de vista a face,
até adentrar à casa da alma!
olhar ao espelho, esquecendo as rugas, os brancos, os ranços,
é permitido os olhos no espelho,
como se adentrassem aos olhos do espelho,
até sumir de vista a face,
até adentrar à casa da alma!
Decretem-se todos os domingos felizes,
com um cochilo depois das doze,
pode-se até pedir aos deuses o melhor dos sonhos,
escolhe-se a música,
sente-se o vento, o sopro, as flores,
um café da tarde na imensidão tão bonita!
com um cochilo depois das doze,
pode-se até pedir aos deuses o melhor dos sonhos,
escolhe-se a música,
sente-se o vento, o sopro, as flores,
um café da tarde na imensidão tão bonita!
Faça de conta que hoje é domingo,
que amanhã é domingo,
depois, domingo!
que amanhã é domingo,
depois, domingo!
Em todas as noites, sê permitido olhar para a Lua!
Lua crescendo, cheia, minguada, adormecida na Luz bem guardada,
trazendo à tona a nossa esperança:
proíba-se, assim, morrer aos domingos!
Lua crescendo, cheia, minguada, adormecida na Luz bem guardada,
trazendo à tona a nossa esperança:
proíba-se, assim, morrer aos domingos!
"Reverse Noir" Luciane Valença |
LONGA NOITE
Quase eterna, longa a noite
velas acesas, candelabros ou lampiões
perderemos o rumo, o prumo, a razão
cairemos em tentação
buscaremos a voz, o olhar, algum sentido maior
sonharemos mundos inteiros de amplidão
as janelas continuarão abertas, azuis em brancas nuvens
pássaros ensinarão liberdades inteiras, em asas pequenas,
à nossa prisão - asa quebrada de uma quina -
os dias, um a um, passarão
os homens, também, um a um, passarão
- alguns, muitos, passarão -
precisaremos aprender antigas rotas de despedidas
velas acesas, candelabros ou lampiões
perderemos o rumo, o prumo, a razão
cairemos em tentação
buscaremos a voz, o olhar, algum sentido maior
sonharemos mundos inteiros de amplidão
as janelas continuarão abertas, azuis em brancas nuvens
pássaros ensinarão liberdades inteiras, em asas pequenas,
à nossa prisão - asa quebrada de uma quina -
os dias, um a um, passarão
os homens, também, um a um, passarão
- alguns, muitos, passarão -
precisaremos aprender antigas rotas de despedidas
Longa noite, imensa e vazia
desejaremos um som, um ruído, uma cantiga,
ventania, passos na escada, paz tão antiga
um grilo, um sabiá, um jorrar de lágrimas
qualquer coisa dos desejos das horas findas
- que nos alcance logo esse outro agora, que já se demora -
desejaremos um som, um ruído, uma cantiga,
ventania, passos na escada, paz tão antiga
um grilo, um sabiá, um jorrar de lágrimas
qualquer coisa dos desejos das horas findas
- que nos alcance logo esse outro agora, que já se demora -
Longa noite que se anuncia
desesperados, seremos rebeldes, covardes, intempestivos
gritaremos a esmo, a rodo, aos loucos
perderemos a ótica, a lógica, a noção
sentiremos o palpitar - ao longe - de algum outro coração
buscaremos esperanças, certezas, sentidos
ao mundo seremos rendidos
não poderemos apagar os fatos, retroceder os mortos
- passos em falso nos fizeram coautores irresponsáveis do colapso? -
desesperados, seremos rebeldes, covardes, intempestivos
gritaremos a esmo, a rodo, aos loucos
perderemos a ótica, a lógica, a noção
sentiremos o palpitar - ao longe - de algum outro coração
buscaremos esperanças, certezas, sentidos
ao mundo seremos rendidos
não poderemos apagar os fatos, retroceder os mortos
- passos em falso nos fizeram coautores irresponsáveis do colapso? -
Longa noite,
o que será do outro dia com novas auroras?
esperanças-fênix depois das cinzas?
o que será do outro dia com novas auroras?
esperanças-fênix depois das cinzas?
**
QUASE AGORA
Depois a gente esfrega o chão
recolhe os tapetes
ergue os varais com as toalhas e os lençóis
corta a grama que já extrapolou os limites
abre as persianas e deixa chegar outro sol
recolhe os tapetes
ergue os varais com as toalhas e os lençóis
corta a grama que já extrapolou os limites
abre as persianas e deixa chegar outro sol
depois a gente corta o fio
afia a navalha
estende o cordão entre as paredes
pendura as fotografias que sobrarem no baú
precisaremos afinar o olhar - o jeito certo de olhar -
para não perder nenhuma palavra desviada
daqueles olhares estancados da vida
como meros ingredientes do nada
afia a navalha
estende o cordão entre as paredes
pendura as fotografias que sobrarem no baú
precisaremos afinar o olhar - o jeito certo de olhar -
para não perder nenhuma palavra desviada
daqueles olhares estancados da vida
como meros ingredientes do nada
depois a gente chora
enxuga o leite derramado
diz o amor engolido a sete chaves
corre o risco de perder a hora, o trem, a viagem depois do fim
e recolhe cada um dos abraços deixados de lado
na cama, na poltrona, na cadeira da cozinha, sobre o armário
empilha um por um, dobrados e cobrados,
nunca dados, os beijos desejados
enxuga o leite derramado
diz o amor engolido a sete chaves
corre o risco de perder a hora, o trem, a viagem depois do fim
e recolhe cada um dos abraços deixados de lado
na cama, na poltrona, na cadeira da cozinha, sobre o armário
empilha um por um, dobrados e cobrados,
nunca dados, os beijos desejados
por ora, resta-nos a máscara
o lábio amargo
a garganta seca
luvas guardando dedos sem anéis
em mãos mil vezes lavadas em água, sabão e desespero
o lábio amargo
a garganta seca
luvas guardando dedos sem anéis
em mãos mil vezes lavadas em água, sabão e desespero
por ora, já é quase agora
essa pobre senhora desconhecida
estendida no varal entre razões escusas
a vida - por um fio.
essa pobre senhora desconhecida
estendida no varal entre razões escusas
a vida - por um fio.
"Uma Questão de Tempo" Luciane Valença |
SENHA
O crepúsculo é esticado,
nenhuma estrela cadente atravessará os céus realizando desejos,
não é de desejos que se alimenta o broto,
mas de algo tão mais genuíno e íntegro.
Esquece o desejo,
livra-te dos anseios,
o vento segue sua rota independente dos obstáculos,
a água escorre pelos veios, pelas veias, pelos vãos,
porque sua natureza é seguir o curso.
- Qual é teu curso na natureza? -
nenhuma estrela cadente atravessará os céus realizando desejos,
não é de desejos que se alimenta o broto,
mas de algo tão mais genuíno e íntegro.
Esquece o desejo,
livra-te dos anseios,
o vento segue sua rota independente dos obstáculos,
a água escorre pelos veios, pelas veias, pelos vãos,
porque sua natureza é seguir o curso.
- Qual é teu curso na natureza? -
Lembra daquela casa antiga na colina,
os pássaros fazendo ninhos, despreocupados,
os frutos sabendo quando é hora de tombar ao solo
para a regeneração da semente.
- Ninguém sabe da vida melhor do que a própria -
os pássaros fazendo ninhos, despreocupados,
os frutos sabendo quando é hora de tombar ao solo
para a regeneração da semente.
- Ninguém sabe da vida melhor do que a própria -
Depois do agora um futuro não se sabe quando,
o que é demorado nem sempre se alcança,
na pressa gasta os sapatos apertam.
- Aprende o ritmo da espera, da véspera, da partida,
um passo de cada vez no caminho mais estreito -
o que é demorado nem sempre se alcança,
na pressa gasta os sapatos apertam.
- Aprende o ritmo da espera, da véspera, da partida,
um passo de cada vez no caminho mais estreito -
O crepúsculo é denso - eu também sei -
nada se desfaz antes da hora,
ergue-te acima do horizonte das incertezas,
e não esqueças da abelha buscando o pólen na flor de laranjeira,
nem da formiga carregando o fardo mais pesado,
ou da cigarra que canta sem descanso,
anunciando um tempo logo ali (ou distante) de felicidade.
nada se desfaz antes da hora,
ergue-te acima do horizonte das incertezas,
e não esqueças da abelha buscando o pólen na flor de laranjeira,
nem da formiga carregando o fardo mais pesado,
ou da cigarra que canta sem descanso,
anunciando um tempo logo ali (ou distante) de felicidade.
Os ciclos se repetem, os homens se repetem, os sonhos se repetem,
nunca estranhes o gole amargo da angústia,
ou a falta de notícias dos outros mundos inteiros,
lá longe nas galáxias.
Não percas a rota,
nem arrebentes a porta!
- Esquece a porta: a saída tem outra chave,
nós um dia já soubemos a senha! –
nunca estranhes o gole amargo da angústia,
ou a falta de notícias dos outros mundos inteiros,
lá longe nas galáxias.
Não percas a rota,
nem arrebentes a porta!
- Esquece a porta: a saída tem outra chave,
nós um dia já soubemos a senha! –
"A Vênus e as quatro estações"Luciane Valença |
D(R)ESISTÊNCIA
Desisti de ir pra Pasárgada
o trem anda fora dos trilhos, eu sei
as loucas somos nós aqui soltas
sem conseguir comer
nem o pão que o diabo amassou
quem dera beber o vinho
o sangue do cristo (destituído)
as mulheres sangrando
muito mais do que entre as pernas
- no esquerdo do peito -
a dor de um desamor medonho
daqueles homens que vêm, vão,
e matam
as loucas somos nós aqui soltas
sem conseguir comer
nem o pão que o diabo amassou
quem dera beber o vinho
o sangue do cristo (destituído)
as mulheres sangrando
muito mais do que entre as pernas
- no esquerdo do peito -
a dor de um desamor medonho
daqueles homens que vêm, vão,
e matam
desisti de ir pra Pasárgada
a passarada ainda canta
na cortina de fumaça
a fogueira alheia das desgraças
outras desgraças tão nuas
não adianta a rosa vermelha num dia
n'outro a vermelhidão no rosto
o tapa esfolando até pingar no prato
o vermelho sangue
o vermelho batom
a bota o chute a arma o cuspe
quanto nos custará a culpa?
(tu cospes ou engoles tua culpa?)
na cortina de fumaça
a fogueira alheia das desgraças
outras desgraças tão nuas
não adianta a rosa vermelha num dia
n'outro a vermelhidão no rosto
o tapa esfolando até pingar no prato
o vermelho sangue
o vermelho batom
a bota o chute a arma o cuspe
quanto nos custará a culpa?
(tu cospes ou engoles tua culpa?)
se você é amigo do rei
pode ir
pode ir
eu fico
insisto
e resisto
'inda que seja vã
tão efêmera esperança'
insisto
e resisto
'inda que seja vã
tão efêmera esperança'
Nic Cardeal é
catarinense, graduada em Direito pela UNISUL/SC, e exerceu atividade jurídica
por 27 anos junto à Justiça Federal de SC e do PR. Desde 2016 dedica-se às
letras e aos livros, junto à Mahatma Livraria de Expansão, em Curitiba/PR. Participou
de diversas antologias de poesias, contos e crônicas, entre elas as mais
recentes: Brumas e brisas (org.
Cristiana Seixas, Niterói/RJ: Ed. Cândido, 2017); Antologia de poesias Mulherio das Letras (org. Vanessa Ratton, São
Paulo/SP: Costelas Felinas, 2017); Mulherio
das Letras – contos e crônicas – vol. 4 (org. Henriette Effenberger, Recife/PE:
Mariposa Cartonera, 2017); Revista Plural
– Wild Nights (org. Lunna Guedes, São Paulo/SP: Scenarium Livros Artesanais,
2017); Mulherio das Letras pela Paz –
Contos & Poesias Alemanha/Brasil
(org. Alexandra Magalhães Zeiner e Vanessa Ratton, São Paulo/SP: ABR Ed.,
2018); Conexões atlânticas I e Conexões atlânticas II (org. Adriana
Mayrinck, Lisboa/PT: In-finita Lisboa, 2018); 2ª Coletânea poética Mulherio das Letras (org. Vanessa Ratton, São
Paulo/SP: ABR Ed., 2018); 2ª Coletânea de
prosa Mulherio das Letras (org. Cleonice Alves Lopes-Flois, Toledo/PR:
Indicto Ed., 2018); V Prêmio literário
cidade poesia e III Láurea cidade poesia (org. ASES, Bragança Paulista/SP:
ABR Ed., 2018); Um girassol nos teus
cabelos – poemas para Marielle Franco (org. Mulherio das Letras, Belo
Horizonte/MG: Quintal Ed., 2018); Marielle’s
(org. Andri Galvão, São Paulo/SP: Scenarium Livros Artesanais, 2018); Sete luas (org. Lunna Guedes, São
Paulo/SP: Scenarium Livros Artesanais, 2018); Redemoinho – novembro/2018 (org. Lunna Guedes, São Paulo/SP: Scenarium
Livros Artesanais, 2018); Feminismos,
artes e direitos das humanas (org. Aline Gostinski, Ezilda Melo e Gisela
Maria Bester, Florianópolis/SC: Tirant Lo
Blanch, 2018); e Elas e as letras
(org. Aldirene Máximo e Jullie Veiga, São Paulo/SP: Versejar, 2018). É
integrante do grupo Mulherio das Letras
desde a sua criação, em 2016. Seus escritos estão compilados na página no
Facebook ‘escrevo porque sou rascunho’
(@Niccardealpoesias), além de fazer ‘resenhas afetivas’ de livros de autores(as) amigos(as), na página no
Facebook ‘minha lavra do teu livro’ (“porque quando eu leio um livro minha alma
precisa dizê-lo… então escrevo o que sinto, porque no meu profundo é onde eu
encontro o teu livro”). É autora de Sede
de céu – poemas (Guaratinguetá/SP: Penalux, 2019).
Comentários
Postar um comentário