Giselle Ribeiro, uma poeta líquida e amazônida, correndo em outros rios e terras.
exercício
de ser adulto
o pai ontem escreveu uma carta esquisita
amigo Wolfgang,
não durou muito meu casamento com a Vida
agora ando flertando a Morte
depois disso
vestiu as palavras todas
com um envelope
e foi fazer chegar ao destinatário
nunca mais voltou.
diz-se que no caminho
estourou o coração de amor
pela sua nova namorada.
***
leia
a bula
outro dia eu fiz uma arapuca
para pegar palavras vivas em estado de
poesia.
nela botei esse meu velho coração
ele era a isca
uma palavra caiu bem dentro da boca da
isca.
passei a noite com dor no peito
cedo minha mãe me levou ao consultório do
Dr. Manoel.
ele arrancou graveto por graveto da
arapuca
e disse
tire essa criança da escola
lá ela só vai aprender a aprisionar
palavras
tire essa criança da escola
caso contrário
a poesia há de estourar-lhe o peito
já medicada
eu saí de lá cantando feito um passarinho
***
conselhos
del mar
dentro do meu olho
tem um aquário
não é nenhum signo do zodíaco,
é um aquário mesmo mãe
e que peixe você cria
nele minha filha?
dentro dele tem muito peixe grande
e tem o povo
o molusco?
não mãe
dentro dele tem um povo
com mais de oito mil pés e oito mil braços
mergulhado em revolta
marchando ao planalto
gritando
não vai ter golpe!
***
dos
rumores do amor
ela arrancou de mim a pena
me engravidou com suas esferas e
margaridas
me enlaçou na sua fita
desde então varamos a noite
no rumor do que eu tenho para dizer
ela para escrever
Sra. Remington e eu casamos
e moramos nos escombros das palavras.
***
em alguma página do livro sibilino está
escrito
corram
todos
as
Sibilas se aproximam
e trazem
na ponta das suas lanças a língua afiada
notícia
dos que já estão próximos da passagem
de
um lado a dama do dia
do
outro a dama da noite
uma
beija a boca da outra,
se
enlaçam e fecham o ciclo
depois
disso,
nem
Deus manda notícias do lado de lá.
***
ou
isso ou o desenfrentamento
Gustavo era juiz
tinha dinheiro para quase tudo
um dia decidiu lustrar os dentes
queria ser mais alegre
sorrir pra muito mais gente
decerto aprenderia algumas piadas
para contar às paredes
sempre que a dor aguda de viver
batesse à sua porta
o dentista preocupado
com o êxito do tratamento
alertou com um franzir da testa
Gustavo
para que esse mundo lhe pareça mais leve
o riso se estabeleça na face
preciso arrancar seu juízo
Gustavo nunca mais voltou ao consultório
dizem que ele comprou um império
e o pouco riso que tem
continua amarelo
"Eu sou eu e boi não lambe. Meu nome é Giselle Ribeiro, nasci na Amazônia brasileira, no Norte do Brasil. Nela vivo até hoje. Sou mestra em estudos literários, doutoranda em estudos da tradução, escritora e professora de Teoria Literária na Universidade Federal do Pará. Mas gosto mesmo é de escrever histórias e poesia com linha de pescar pensamentos tortos."
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