Maria Balé em artes integradas - prosa e fotografia
Fotografia por Maria Balé |
QUAL A IDADE QUE VOCÊ TERIA?
(por Maria Balé)
Qual a idade que você teria se você não soubesse a idade que você tem?
Parece brincadeira. Não é. É pergunta de gente séria: Confúcio, mestre, filósofo e teórico político, a figura histórica mais conhecida na China cuja influência se exapandiu por toda a Ásia.
O valor ao estudo, a disciplina, a busca pela ordem, a consciência política, a importância do trabalho e o culto à harmonia são lemas que o confucionismo introjetou de maneira definitiva na história chinesa, da antiguidade aos dias de hoje. Confúcio, quinhentos anos antes de Cristo, milênios antes do Pitanguy, do silicone, do botox e da marombagem sem medida, já se via às turras com a inescapável falência de nossas células ao longo da existência.
Não me ocorre que o filósofo chinês estivesse preocupado com o viés da aparência ou a cosmética de cada fase da vida. Isso é cultura ocidental performática para a qual a idade é encarada como perda. Envelhecer, para os orientais, é motivo de reverência. Para os ocidentais, falta de compostura, deselegância. Que coisa feia!
Confúcio - pensador de tamanha envergadura - ao tomar a idade como objeto de suas reflexões, filosofava sobre a questão da finitude e, no caso dele, seu repertório de sabedoria e a extensão de seu legado.
É curioso, mas quando penso em Confúcio, a figura que vem à minha mente é a do ancião, o sábio. Rosto magro e barbicha rala. Me custa pensar nele como um menino que um dia foi ou um adolescente e suas volatilidades.
Teria Confúcio sido tão volúvel como eu, ou qualquer outro ser ordinário, em algum momento de sua trajetória?
Aos dez anos eu queria ter quinze para usar batom rosa-choque. Quem tinha vinte e usava laquê no cabelo já era uma velha. Aos quinze, queria ter dezoito para assistir aos filmes proibidos para menores e fazer "coisas de gente grande". Aos dezoito, agia como infante ou adulta, segundo o que me convinha. Aos vinte, sonhava ter trinta para não mais me submeter a entrevistas para emprego. Aos trinta - não carece precisar a data -, acordei assustada, entrei em crise severa, quis fazer o trajeto de volta e ter vinte e cinco. Para sempre.
O determinismo da idade no curso da civilização se altera a cada tanto. Houve era em que se morria por velhice aos trinta. Hoje, se é jovem aos cinquenta, sessenta, setenta. E a ciência assegura que, em breve, a expectativa de vida chegará aos cento e vinte anos. Surpreendentemente já grande o número de pessoas no mundo que já comemoraram o seu centenário.
Biologicamente, começamos a envelhecer a partir da fecundação. Ficamos mais velhos a cada uma das várias divisões mitóticas. O embrião nada mais é do que um ovo idoso. Moralmente, nos acometem intermitências. Ora se sente velho, ora se sente na mais tenra infância ou nos eflúvios da adolescência.
Avançadas pesquisas, aliadas a avançada medicina diagnóstica, concluem que não temos uma idade fixa. Cada pessoa tem a sua idade oficial - a do RG -, a cronológica, a física-óssea-muscular, endócrina, cutânea, a moral-psicológica-emocional e, penso eu, entre tantas, a idade filosófica: aquela que acreditamos ter e à qual subordinamos nossa rotina. Ou seja, nossa idade é tão plural quanto movediça.
Não raro eu amargo a dor profunda da dissonância entre os limites da matéria e a incontinência do espírito.
Para mim, a idade é um signo sem regência. Há dias que sou criança; em outros parece que já morri. Em instantes danço a valsa de debutante, em outros sou mais ancestral que as múmias andinas.
E voltando a Confúcio, qual a idade que você teria se não soubesse a idade que você tem?
Vem daí que eu pergunto: com qual idade se depararia alguém que dormiu por anos e um dia retorna de um coma? e qual seria a idade de um corpo que abriga uma alma em festa?
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Maria Balé é pós-graduada em Comunicação Corporativa pela PUC-São Paulo. Produtora de textos, cronista, contista e fotógrafa. Tem curso de Extensão Universitária na disciplina Diálogos entre Filosofia, Cinema e Humanidades, PUC-São Paulo e de Roteiro de Curta Metragem pelo Espaço Unibanco de Cinema, curadoria do roteirista Di Moretti.
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