Amor/Vida/Resistência - cinco poemas de Helena Arruda
Holly Irwin |
Mulheres
o meu mundo é
habitado por
Mulheres
parideiras,
rainhas, princesas e gatas borralheiras
o meu mundo é
habitado por
Mulheres
sofridas,
vendidas, comidas, vividas
o meu mundo é
habitado por
Mulheres
guerreiras,
bandidas, prostituídas, mutiladas,
desguarnecidas
o meu mundo é
habitado
o meu mundo é
se não for,
invento um mundo
invento um mundo
que seja
um mundo só
um mundo
um mundo pra
mim.
Morro um pouco todo dia
clarões me invadem nessa manhã fria e cinzenta de domingo
olho o arvoredo do bosque que me abraça
e penso que as árvores me dizem coisas
de repente, vem uma tormenta e
meus pensamentos voam – corujas agourentas
onde está a poesia?
nas lágrimas ácidas que queimam minha língua
que passo sobre seu dorso suado
[de sexo]
meu coração esgarçado de dores explode em raios
[de ira]
e a floresta me espreita pelas frestas de luz entre os galhos
[griverdosos]
arranhada, me refaço e mergulho no oceano
[das palavras]
enquanto seu dorso suado de sal se deita sobre meus seios nus,
eu sinto o cheiro acre da morte
que me olha da porta do quarto
fecho os olhos, porque tenho medo dela,
mas ela me espera
e de manhã, ao despertar, ela vem me dar bom dia
[adormeço]
****
Roupas velhas
minha dor são flores
descoloridas
[do meu jardim]
que duram o
tempo necessário
[saturação]
parto e
permaneço aconchegada a mim
meu corpo, pedra
áspera
à mercê das
águas da cachoeira
[espera]
equilíbrio e
falta,
estar e
não-estar
sou pedaços de
roupas velhas
cerzidas pelas
agulhas do tempo
vejo todas as
veias pulsando
na imensidão do
meu corpo:
[pulso-sangue]
[mundo-pulsa]
vivo na
emboscada da vida
minhas mãos
envelhecem
à medida da
minha dor
meu corpo é dor
e desejo,
viço e cansaço
[grito]
na feitura do
meu poema,
desfaço nós,
construo espaços
e atravesso
sombras
[enxergo]
Monika Luniak |
Danação
nada há mais libertador:
foda-se-é-cura-solução
e já que a alteridade me persegue,
dou foda-se para o mundo e
mal não há, se o mundo sou eu
nesse meu encontro solitário
com o mar
[outras]
fodam-se então os problemas
e os puritanos de plantão com seus usos e abusos
e desusos e costumes e caretices, porque hoje estou
sem filtros, sem protetores, sem nada
há só o mar de Jampa e eu e o horizonte azul e o sol
e o mar-libertação,
mas tenho um medo danado,
[confesso]
tenho um medo danado do mar
[medo]
***
Helena
Arruda nasceu em Petrópolis, RJ. É mestra e doutora em Literatura Brasileira
(UFRJ). Poeta, contista, ensaísta, pesquisadora e revisora, é autora dos livros
Interditos – poemas (2014) e Mulheres na ficção brasileira –
ensaios (2016), ambos pela Editora Batel. Publicou também nas antologias: Elas
escrevem; Moedas para um barqueiro (Andross, 2011); Por detrás da
cortina; Amor sem fim (Beco dos Poetas, 2012); A literatura das
mulheres da floresta (Scortecci, 2013); Hoje é dia de hoje em dia:
literatura brasileira do século XXI (Multifoco, 2013); Rio dos bons sinais
(CMD, 2014); O protagonismo feminino (Scortecci, 2016); Escritor
profissional (Oito e Meio, 2016); Mulherio das Letras (Costelas
Felinas, 2017); Mulherio das Letras (Mariposa Cartonera, 2017); Tabu
(Oito e Meio, 2017); Casa do Desejo (Patuá, 2018); Mulherio das
Letras (Edição do Autor, 2018); Mulherio pela Paz (Edição do Autor,
2018); Ficção e travessias: uma coletânea sobre a obra de Godofredo de
Oliveira Neto (7Letras, 2019); Ato Poético (Oficina Raquel, 2020); Ruínas
(Patuá, 2020). Helena é também membro do corpo editorial da Revista Topus –
espaço, literatura e outras artes, da UFTM. Atualmente, dedica-se ao seu
primeiro livro de contos, ainda sem título, e acaba de finalizar o terceiro livro
de poemas, A mulher habitada [ou: cadernos do fim dos dias], ainda sem
editora. Os cinco poemas inéditos a seguir estão no livro Corpos-sentidos,
Editora Patuá (no prelo), com lançamento previsto para esse ano.
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