Amor/Vida/Resistência - cinco poemas de Helena Arruda


Isabel Emrich

 Cinco poemas inéditos do livro Corpos-sentidos 


Amor

sei que é possível transcender pequenezas
transcendo o azul-griverdoso dos seus olhos baços
e sigo
[lutando]
a vida é mais que existência
a vida, meu amor,
é resistência.


Holly Irwin

Mulheres


o meu mundo é habitado por
Mulheres
parideiras, rainhas, princesas e gatas borralheiras

o meu mundo é habitado por
Mulheres
sofridas, vendidas, comidas, vividas

o meu mundo é habitado por
Mulheres
guerreiras, bandidas, prostituídas, mutiladas,
desguarnecidas

o meu mundo é habitado
o meu mundo é

se não for, invento um mundo
invento um mundo que seja

um mundo só
um mundo

um mundo pra mim.


Monika Luniak

Morro um pouco todo dia


clarões me invadem nessa manhã fria e cinzenta de domingo
olho o arvoredo do bosque que me abraça

e penso que as árvores me dizem coisas

de repente, vem uma tormenta e

meus pensamentos voam – corujas agourentas

onde está a poesia?

nas lágrimas ácidas que queimam minha língua
que passo sobre seu dorso suado
[de sexo]

meu coração esgarçado de dores explode em raios

[de ira]
e a floresta me espreita pelas frestas de luz entre os galhos
[griverdosos]

arranhada, me refaço e mergulho no oceano

[das palavras]
enquanto seu dorso suado de sal se deita sobre meus seios nus,
eu sinto o cheiro acre da morte
que me olha da porta do quarto

fecho os olhos, porque tenho medo dela,

mas ela me espera
e de manhã, ao despertar, ela vem me dar bom dia
[adormeço]


****

Roupas velhas


minha dor são flores descoloridas
[do meu jardim]
que duram o tempo necessário
[saturação]

parto e permaneço aconchegada a mim

meu corpo, pedra áspera
à mercê das águas da cachoeira

[espera]

equilíbrio e falta,
estar e não-estar

sou pedaços de roupas velhas
cerzidas pelas agulhas do tempo

vejo todas as veias pulsando
na imensidão do meu corpo:

[pulso-sangue]
[mundo-pulsa]

vivo na emboscada da vida

minhas mãos envelhecem
à medida da minha dor

meu corpo é dor e desejo,
viço e cansaço

[grito]

na feitura do meu poema,
desfaço nós,
construo espaços
e atravesso sombras
[enxergo] 

Monika Luniak

Danação

nada há mais libertador:
foda-se-é-cura-solução

e já que a alteridade me persegue,
dou foda-se para o mundo e
mal não há, se o mundo sou eu
nesse meu encontro solitário
com o mar


[outras]
fodam-se então os problemas
e os puritanos de plantão com seus usos e abusos
e desusos e costumes e caretices, porque hoje estou
sem filtros, sem protetores, sem nada
há só o mar de Jampa e eu e o horizonte azul e o sol
e o mar-libertação,
mas tenho um medo danado,
[confesso]
tenho um medo danado do mar

[medo]
***

Helena Arruda nasceu em Petrópolis, RJ. É mestra e doutora em Literatura Brasileira (UFRJ). Poeta, contista, ensaísta, pesquisadora e revisora, é autora dos livros Interditos – poemas (2014) e Mulheres na ficção brasileira – ensaios (2016), ambos pela Editora Batel. Publicou também nas antologias: Elas escrevem; Moedas para um barqueiro (Andross, 2011); Por detrás da cortina; Amor sem fim (Beco dos Poetas, 2012); A literatura das mulheres da floresta (Scortecci, 2013); Hoje é dia de hoje em dia: literatura brasileira do século XXI (Multifoco, 2013); Rio dos bons sinais (CMD, 2014); O protagonismo feminino (Scortecci, 2016); Escritor profissional (Oito e Meio, 2016); Mulherio das Letras (Costelas Felinas, 2017); Mulherio das Letras (Mariposa Cartonera, 2017); Tabu (Oito e Meio, 2017); Casa do Desejo (Patuá, 2018); Mulherio das Letras (Edição do Autor, 2018); Mulherio pela Paz (Edição do Autor, 2018); Ficção e travessias: uma coletânea sobre a obra de Godofredo de Oliveira Neto (7Letras, 2019); Ato Poético (Oficina Raquel, 2020); Ruínas (Patuá, 2020). Helena é também membro do corpo editorial da Revista Topus – espaço, literatura e outras artes, da UFTM. Atualmente, dedica-se ao seu primeiro livro de contos, ainda sem título, e acaba de finalizar o terceiro livro de poemas, A mulher habitada [ou: cadernos do fim dos dias], ainda sem editora. Os cinco poemas inéditos a seguir estão no livro Corpos-sentidos, Editora Patuá (no prelo), com lançamento previsto para esse ano.  









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