As doçuras e agruras da minha avó - por Chris Herrmann
Crônicas que as lembranças me embrulham de presente - 11
As doçuras e agruras da minha avó
por Chris Herrmann
Eu ainda era muito nova quando minha avó materna Olga se foi. Mas as lembranças que ela nos deixou são muitas e bem vivas em nós, pelo menos em mim. Vovó Olga teve uma vida muito difícil e dura. Mais ainda depois que se casou com o meu avô, que era um machista de carteirinha e não respeitava as mulheres de forma alguma. Mas eu não sabia, ou pelo menos não compreendia essas coisas na minha infância. Eu gostava dela por ser minha avó, mas ao mesmo tempo, a achava muito durona e exigente com tudo. Gostava mais dela quando colocava a gente pra dormir e contava histórias. Eu ficava fascinada com aquele mundo fantástico que ela nos apresentava. Ela não contava histórias de livros. Tirava tudo da própria imaginação. Ainda me lembro que eu e meus irmãos pedíamos no final: “Ah, vó, só mais uma história, por favor. A gente promete dormir em seguida!“ (risos)
Eu só tenho lembranças da vovó Olga como uma nômade. Ela sofreu demais com as agressões e absurdos do meu avô, soube disso mais tarde. Ainda assim aguentou todo o sofrimento, porque teve oito filhos e tinha medo do que poderia acontecer a eles após uma separação. Prometeu a si mesma só se separar depois que eles se tornassem independentes. E cumpriu a promessa. Como ela não tinha dinheiro e nem onde morar depois da separação, passava temporadas na casa de cada filho ou filha.
Quando ela ficava na nossa casa, durante o dia, tomava conta da gente enquanto meus pais trabalhavam e ficava sentada em frente à velha máquina de costura Singer, consertando roupas ou costurando para a família. No passado, ela trabalhou com alta costura e também foi professora de corte e costura em casa. Ela quem pagava todas as contas da casa, sustentava os filhos, enquanto o meu avô (quase sempre desempregado) viajava por vários dias e desaparecia. Minha mãe depois me contou que uma das alunas da minha avó disse que estava noiva de um homem que conheceu em outra cidade, e descobriu-se depois que era o meu avô! Tadinha da minha avó. Quantos vexames ela foi obrigada a passar engolir para não “prejudicar“ a família, na sua visão das coisas e da época, naturalmente.
Voltando às temporadas que ela ficava na nossa casa, depois da separação, e enquanto meus pais trabalhavam. Ela reclamava o tempo todo da nossa bagunça, puxava nossas orelhas, ou fazia “treinamento“ comigo e minhas irmãs para aprender trabalhos domésticos. Logicamente, ela não escalava meus dois irmãos para isso. Eles podiam brincar na rua à vontade. Na época, eu ficava irritada, mas conforme fui crescendo compreendi que ela não sabia separar a educação machista que teve com a liberdade de escolha enquanto mulher que já havia se separado. Ela passou quase toda a sua vida como prisioneira dos caprichos de homens tiranos.
Mas os anos foram passando e eu, minhas irmãs e meus irmãos crescendo. Vovó Olga foi se modificando e abrindo os olhos para o “novo mundo“. Passei a curtir muito mais sua proximidade e conversas. Descobri que ela tinha uma inteligência emocional incrível e fui descobrindo uma avó fantástica que eu realmente ainda não conhecia. Ela foi autodidata. Quando criança não lhe permitiram estudar, imagine! Mas ela tinha imensa vontade de ler livros e se empenhou às escondidas para aprender a ler e ter acesso a livros sem que meus bisavós descobrissem. Fiquei muito triste com essa descoberta. Porém, bastante orgulhosa dela. Apesar da educação extremamente retrógrada que teve, lutou com as armas que nem tinha (a não ser a própria curiosidade) para saber um pouco mais sobre o mundo em que vivia. Lembro que fiquei pensativa naquele momento. E concluí que, por mais críticas que eu tivesse dos meus pais e por mais dificuldades financeiras que passássemos por sermos uma família grande (eu fui a última de seis filhos), ainda éramos privilegiados.
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