Fernanda de Paula e a poesia de sua janela enluarada

Letícia de Paula




















Pôr do sol de outono dói mais. 
Mesmo quando uma imensa alegria me acena 
por detrás de montanhas azuis, essa saudade gorda 
faz o que vejo pela janela vestir um brilho úmido 
de lágrimas. A luz do ocaso é cor sem nome. 
Ressoa grave, em lilás desmaiado, 
levemente coberto de uma poeira vagarosa 
de terra vermelha. A alma acorda sonolenta, 
os olhos enfumaçados de preguiça e canção. 
Tudo no entorno é velho – também minha voz. 
Viver parece coisa antiga. O amor boceja.


Letícia de Paula








 







Com a garganta dormente de tudo que não disse quando podia, 
lavo o peito da saudade. Costumava colher florinhas amarelas no mato.
Só, por detrás das encostas da imaginação, observava uma velha 
plantadora de árvores no meio do deserto. Pensava o que aquela mulher 
de tez engruvinhada de histórias tanto escondia no chão, 
as mãos de desenterrar sonhos... 
Com que leveza d’alma ela regava as sementes adormecidas 
na úmida penumbra da terra, ventre de ninar quereres? 
Às vezes, perdida entre tanta certeza de caminho, 
sinto como se eu habitasse a medula dessas palavras caladas. 
Cada canto que engulo sem deixar que ressoe 
é uma chicotada nas costas de um sonho.


Letícia de Paula

















Noite branda. 
Meu coração é carne de mar aberto.
Acolhe em seu dentro todos os rios sedentos de desaguar.
A mão embrutecida do tempo arrebenta minha vontade 
contra as pedras azedas do medo. 
E, num sargaço tecido por fios de saudade, 
navegam, sobre profundidades abissais,
as cores do amor que ainda vou conhecer 
num cais bem longe daqui.




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Ilustrações: Letícia de Paula:
  @bordado enluarado
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Fernanda de Paula é poeta, letrista, cantora, professora de canto e percussionista. Formada em Canto Lírico e Psicologia, tem 8 CDs lançados, com os grupos Sagarana (MG), Madeira de Lei, Camiranga e Quatro Cântaros, e com Marquinho Mendonça (Gira Menina). Trabalhou com trilhas sonoras para peças de teatro e participou de diversos cds de músicos mineiros e paulistas. Há anos pesquisa a busca da voz natural como instrumento de harmonização energética, utilizando cantos sagrados de várias culturas, e realiza estudos da voz estendida.
Depois de mais de 20 anos exercitando a escrita com letras de música e textos poéticos destinados a espetáculos, prepara-se para lançar, pela editora Carpe Librum, seu primeiro livro de poemas: Janela enluarada, ricamente ilustrado com os bordados de Letícia de Paula.




Comentários

  1. A linda voz cantante de Fernanda de Paula nos surpreende nessa beleza de voz escrita que canta.

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    1. Sim, Madalena! Voz poética, voz cantante... Uma beleza! Obrigada pela leitura e comentário. Abraço.

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