Lembranças da Escola Pública na Ditadura - Chris Herrmann
Crônicas que as lembranças me em embrulham de presente - 08
LEMBRANÇAS DA ESCOLA PÚBLICA
EM QUE ESTUDEI NO BRASIL DA DITADURA
por Chris Herrmann
Nasci no Rio de Janeiro nos anos 60 em plena Ditadura Militar no Brasil. Estudei os dois primeiros anos do antigo primário (1a. e 2a. série do fundamental hoje) em uma escola pública no subúrbio.
Foi entre 1970 e 1971. Tudo ali era muito autoritário, arbitrário, mas com louvor “patriótico”. No pátio, ficávamos em forma para cantar o hino nacional antes de começar as aulas todos os dias, enquanto a bandeira do Brasil era hasteada. Ensaiávamos musiquinhas idiotas para tudo, até para a professora entrar em sala de aula. Usávamos um uniforme que eu achava horroroso. Não éramos ensinados a pensar, mas a obedecer.
Numa dessas vezes que ficávamos em fileira para cantar o hino nacional, pouco antes um menino violento (a maioria deles era machista) chutou a minha perna e doeu muito. Algumas meninas viram mas ficaram com medo de reagir. Eu não quis saber, na hora o sangue me subiu e chutei-lhe a perna também. As meninas riram, mas nessa hora uma professora viu e me puxou pelo braço com toda força e me levou com violência para a secretaria. Eu ainda tentei falar que ele tinha me machucado primeiro, mas ela me mandou calar. Nunca éramos ouvidos. Não havia um diálogo aberto e franco. Éramos “soldadinhos”. Tudo era motivo de repreensão e castigo.
[eu trouxe aqui esse episódio absurdo, mas fui vítima e testemunhei muitos outros naqueles dois anos]
Meus pais não foram avisados (eles nunca avisavam nesses casos, se sentiam nossos donos) e eu fiquei em pé de castigo naquele dia durante toda a manhã até o fim das aulas, sem poder falar com ninguém, sem lanchar e sem poder ir ao toilette. Toda a “ordem” que parecia reger na escola era aparente. Algumas crianças sofriam violência na família e outras na escola. O clima na escola era de rancor. De vez em quando a escola fazia revista nas pastas, estojos e lancheiras. E era comum acharem facas e giletes, por exemplo.
Tomei horror daquela escola pública e meus pais se sacrificaram muito para que eu e meus irmãos pudéssemos migrar para uma particular. E trabalharam muito duro para isso. Meu pai chegou ao cúmulo de trabalhar à noite na estiva (carregava sacos pesados de mercadorias nas costas) depois de um dia cheio de trabalho. Ele quase morreu de tanto trabalhar. Foi o que nos salvou daquela fase de terror e pudemos sair do quartel que foi aquele estabelecimento.
Não havia educação sexual nas escolas. Por pouco não fui estuprada por um primo e consegui escapar na casa da tia muito religiosa (mãe dele). Esse meu primo batia na irmã e essa minha tia permitia. Eu não tinha coragem de dizer aos meus pais o porquê de não querer mais ir à casa deles (eu nem saberia explicar, já que esses assuntos também eram tabu na nossa casa). Mas passava mal de medo (tinha febre) toda vez que programavam visita, o que foi minha salvação porque não me levavam. Até que eles se mudaram para bem longe e o tal primo foi fazer curso militar mais distante ainda. Nunca mais tive contato. Ufa!
A tal “escola sem partido” que querem instaurar no país, nada mais é que a volta desse modelo hipócrita, autoritário, ignorante e castrador da ditadura. Ela é que tem partido - a de um estado opressor. Um regime que entende a Educação como adestramento e não como conhecimento amplo da realidade e libertadora do pensamento.
São tendenciosos e preconceituosos. Não aceitam, por exemplo, que famílias sejam todas elas (sem discriminação) e que religiões devam ser respeitadas mas não impostas nem doutrinadas na escola. Educação sexual é imprescindível no ensino fundamental e prioridade em países avançados, e não “doutrinação de esquerda” - essa acusação mofada e patética que desenterraram da ditadura na tentativa de justificar o injustificável. Só os estúpidos ou mal intencionados a defendem.
Isso tudo porque eles querem que somente os ricos tenham acesso a um ensino qualificado e mais humano para os seus filhos. Os pobres? Estes só precisam ficar cada vez mais subservientes e dependentes dos patrões abastados e não mais sonharem com uma universidade e um futuro mais promissor.
“A educação no Brasil não é uma crise, é um projeto.” [Darcy Ribeiro]
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