O estreito que se alarga | Marilia Kubota
MOSAICO Coluna 10 – Resenha
O estreito que se alarga
por Marília Kubota
Mulheres. Estas são as protagonistas dos 19 contos de "Passagem estreita" (Carlini Caniato Editorial, 2019), de Divanize Carbonieri. A autora acompanha a trajetória de deficientes mentais, mães solteiras, ex-escravizadas, guerrilheiras, interioranas, escritoras, professoras e sem-vozes que buscam brechas para entrar num sistema desigual.
As narrativas se assemelham a uma algaravia, escritas num bloco só — um fôlego só ? — explorando a complexidade de recursos literários da modernidade. Alternância de vozes e foco narrativo, representação de vários dialetos (da fala de analfabetas até a de super-letradas) e paródia de linguagens do discurso literário e de roteiros de cinema.
Para permitir que o leitor entre no universo das personagens, a narração adota o ponto de vista delas, mesmo que entre em conflito, como acontece em "Fia". Quando a protagonista é incapaz de interpretar o mundo, a narração a defende, lembrando a personagem Macabéa, de "A hora de estrela", de Clarice Lispector.
Outra personagem que emerge do subterrâneo é a do conto "Brilhante". Em poucas linhas, a autora consegue sintetizar as agruras de uma sociedade escravocrata, em que crianças de uma classe social tratam outra, de classe inferior, como brinquedo. A narração vai revelar que subjetividade da menina pobre não é destituída pela objetificação das meninas ricas.
Uma página do Livro de Artista de Marília Diaz, na exposição "O céu pelo avesso", de Marilia Diaz e Consuelo Schlichta, (2015). Interpretação de obra de ex-aluna Silvana com recorte, colagem e costura |
E é por conta da consciência de um mundo de privilégios e discriminações que a protagonista do conto "Vocabulário" se esforça para achar uma saída:
Uma BREHCA. É SÓ o que eu preciso. Uma brecha ETSREITA pela qual consiga passar. Uma pequena fissura naquele SITSEMA construído para dar passagem ampla APENAS para poucos. Era por essa abertura ínfima que DESLIZARIA para outra vida, mais plena de PTOENCILAIDDAES. (página 43)
Resenha tão ótima que deu vontade de ler Mosaico imediatamente! Eu já queria, por ser da Divanize. O que ela escreve é impossível não gostar.
ResponderExcluirGostei demais, Marilia!