Uma prosa poética / Ana Cecília Romeu
Fotografia por Luíse Rodrigues da Costa |
- Bolero en El Ateneo Grand Splendid -
por Ana Cecília Romeu
Buenos Aires, outono.
A mulher estava no café da livraria, alojado no palco do que antes fora o teatro homônimo, atestando se aquela era de fato a segunda mais bela loja de livros de todo o mundo. Sentou-se à mesa de canto segurando uma antologia de Cortázar, edição de luxo, capa dura em dedos macios.
Sorvia o café meio-forte, folheando-a aleatoriamente ao deixar que o destino e seus sortilégios elegessem um futuro mais claro, como quem se esquece da bola de cristal, mas ainda crê nos reflexos das bolhas de sabão. Com os aromas do café, de seu perfume preferido e da tinta fresca na parede lateral, abriu à página 44:
“Fui una letra de tango
Para tu indiferente melodia.” *
Apertou com o indicador direito as duas gotas de café que, indisciplinadas, saltaram da xícara. Entre suas digitais, sonhos furtivos e toda a eternidade, disse-lhe o poeta o que não ousou contestar. Estava ali, na El Ateneo Grand Splendid, onde na plateia há livros sentados e amor na próxima página, na de número quarenta e cinco.
*Julio Cortázar in Siempre empezó a llover
Buenos Aires, outono.
A mulher estava no café da livraria, alojado no palco do que antes fora o teatro homônimo, atestando se aquela era de fato a segunda mais bela loja de livros de todo o mundo. Sentou-se à mesa de canto segurando uma antologia de Cortázar, edição de luxo, capa dura em dedos macios.
Sorvia o café meio-forte, folheando-a aleatoriamente ao deixar que o destino e seus sortilégios elegessem um futuro mais claro, como quem se esquece da bola de cristal, mas ainda crê nos reflexos das bolhas de sabão. Com os aromas do café, de seu perfume preferido e da tinta fresca na parede lateral, abriu à página 44:
“Fui una letra de tango
Para tu indiferente melodia.” *
Apertou com o indicador direito as duas gotas de café que, indisciplinadas, saltaram da xícara. Entre suas digitais, sonhos furtivos e toda a eternidade, disse-lhe o poeta o que não ousou contestar. Estava ali, na El Ateneo Grand Splendid, onde na plateia há livros sentados e amor na próxima página, na de número quarenta e cinco.
*Julio Cortázar in Siempre empezó a llover
Fotografia por Luíse Rodrigues da Costa |
Ana Cecília Romeu é gaúcha de Porto Alegre. Graduada em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela PUC/RS, também estudou Artes Plásticas e Arquitetura pela UFRGS. Desde 2010, publica artigos em jornais do país. Autora do livro de crônicas Elvis Economiza Gasolina (2014), e do infantil Janela da Poesia - Turminha do Peteleco (2015). Criou em 2012 a oficina poética Janela da Poesia para crianças em fase pré-escolar e ensino fundamental, dinâmica em atividade até hoje.
Agradeço a oportunidade e o carinho de vocês. Estar com pessoas talentosas neste projeto tão bonito me dá um incentivo enorme! Gratidão!
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