A intensa e ousada poética de Amanda Helena em uma crônica e um poema

Pinterest, sem anotação de autoria

A MENINA ESCUTA RAY, ENQUANTO O MUNDO ENFUMAÇADO SORRI.
                            por Amanda Helena
                               
Ai de mim que contemplo o muro caiado dos sepulcros e seu portão de ferro bruto e roubo a história dos ossos em meu pensar.
Sim, chego a sentir inveja dos ossos que se tornam vivos em minha mente , penso na mesa posta, numa família reunida, nas músicas que ouviram, no sexo que suaram e nas batalhas perdidas.
Repousam agora serenos e não há mais épocas e talvez alguma alma ali recolhida também me mire e sinta inveja por eu ter vida (???)
Digo, pois, a tal alma perdida " não se engane, há em mim mais pó, que das almas partidas".
Naquelas lajes encerraram se histórias com sentido, de uma simplicidade pacífica e dão enfim descanso as que nessa terra andaram perdidas.
Quem nasce pra pó, de infância se percebe, já vem com uma dor indefinida e um estranhamento pretérito, enquanto as mamães deslumbram se pelas garotinhas que escutam Ray com nostalgia.
Pobres mães nunca entenderão e por isso "só as mães são felizes".
E eu grito a alma que me entreolha na fresta: “eu tenho sim inveja das tuas carnes" !
Eu, que sou esse amontoado de veias, dentes e sangue e que não me encontro na terra dos pulsantes, que vi minhas ideologias esmagadas por botinas, meus amores estrangulados na neblina, vi também minhas mulheres carregando bandeiras com eco inaudível nessa "terra de gigantes".
Sim, dia após dia sinto viver de fagulhas, de moinhos de tufões, ah quem dera fossem ventos.
Os Sanchos se foram e as Dulcinéias não existem, mas eu vejo fumaça, rostos disformes e solidão em baldes de cerveja, de chegar a brilhar feito as pedrinhas de gelo. E quanto mais fundo o precipício, mais neons tem nas bordas.
Vago por uma época lembrando de outra, contentando me em ser de verdade com amigos de plástico preto, esses entendem bem, eles também foram superados em minha época.
Talvez seja o demônio de Liam fazendo uma festa, então me diga espectro que espreita " como achar vida numa alma insatisfeita de tudo que essa terra tem parido"?
E não há respostas, apenas tento consolar a menina que vê algodões (nada doces) e Georgia on my mind em seus ouvidos, pobre garota.


Henri Toulouse

BALZAQUIANA MAL PASSADA.

Hoje eu gozei com o papel, um corpo pálido com linhas estriadas.

Hoje eu gozei com o papel, arranhei o com toda força de minha caneta e nele deixei marcas.
Ingênuos gatos que me olhavam em silêncio...

Eu gozando com papel...

Despejei nele todo meu amor e minhas taras, todos meus suspiros e malícias alucinadas...
O papel aceita tudo, dizem.

Mas eu queria mesmo era gozar como os gatos, que fazem festa no telhado, gritam, se enroscam e pulam muros.

Os gatos transam nos bueiros, acordam as senhoras que tem bobs nos cabelos e elas vão rezar seus terços enquanto os gatos gozam enluarados.

Ingênua sou eu, e não os gatos !!!!

Sim, eu tenho insônia e sou uma promíscua papeleira , balzaquiana mal passada, umas horas bêbada e nas outras transtornada, que cria gatos e transa na canetada.



Amanda Helena, bauruense raiz, mãe de Thais Helena, Thales e Thomas. Bacharel em Direito, atualmente desempregada pandêmica com a cabeça nas estrelas. Feminista, quixotesca, gateira, avulsa de partidos, lacracões, feita na natureza da vida. Libertária que escreve para não surtar, insanamente intensa. Apreciadora de invisíveis e perdedores. Acaba de ter publicado quatro " rabiscos" na Antologia Cães Bélicos formada por escritores bauruenses do Grupo Expressão Poética.



Comentários

  1. Palavras insanamente poéticas.
    O quer é insanidade?
    Poeta rabiscando o sentido ou não da vida,
    Amanda é pura poesia, rabiscando vida real ou não.
    Simplismente Amanda! Parabéns!

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