Cinco poemas de Paula Valéria Andrade | A Pandemia da Invisibilidade do Ser
Tela de Lu Valença |
Cinco poemas de Paula Valéria Andrade
A Pandemia da Invisibilidade do Ser
Espelho ReVerso
A imagem distorcida no espelho
Vislumbra noutro,
O outro que não trago dentro
Imagem insana
Ótica e fluxo do meu pensamento
Bruxas, monstros, lobos e sapos
Medusas, medeias e lagartos
Lágrimas e venenos invisíveis
Visão elucidada das coisas
Alegoria que resiste e insiste
Ilusão nas dobras do tempo
Loucura de projeção
Não-conexa, se revela avessa
Ao pulso do coração
Enlameada lona da emoção
Viagens cavernosas
Estradas perigosas
Percursos da imensidão
Do mar que habita dentro e secreto
Discursos em devaneios
Alinham imagens distorcidas
Buscam caminhos sem partida
Ou fins que tenham meios
Limbo onírico do delírio e da utopia
Languido amor que se esvazia
Douradas cavernas e mitos da fantasia,
Faz um bloco inteiro sair,
E cantar sem carnaval
Fica na lenda o espelho quebrado
Maldição de amor mal-amado
Imagens da covardia e distopia
Farelos de sonhos e utopias
Desmanche de sonhos e alegorias
E o que não foi dito,
Deixou de ser bendito
O tempo reverso da imagem
Nunca criou coragem
Para refletir um amor bonito,
De encaixe pleno na colagem,
E vento azul de crina celeste,
Na garupa do destino.
Invertido sentido do sonho
Reverso espelho transgressor
Alento de um voo sensível
Na busca incessante do amor.
INDIE GENTE
Colchão largado na calçada.
Tragédias cotidianas,
Esquina de prédio bacana.
Tem sujeito ao pé do rodapé, na portaria.
Caído ali, perdido e fedido.
Sujeito invisível esquecido.
Ninguém dá bom dia ou pergunta:
Como vai você?
Gostaria de um café,
Algo de comer, beber?
Colchão largado na calçada
Colchão largado na calçada
Já não se sabe a rota ou mapa da estrada
Sujeito vagueia sem rumo ou social coleira
Sujeito vagueia
A beira da ribanceira
Pedaços, migalhas, restos,
Coisas espalhadas. Ali, largadas.
Gestos, entulhados por aí.
Largados, perdidos como se fossem nada.
Ossos da sobrevivência
Despejos de querências
Sem um afeto, sem teto,
Sem um chuveiro, ou almoço garantido o ano inteiro.
“A vida vence e vale,
Via ferocidade da velocidade,
Ferve disputas nas esquinas da
cidade,
Em alpinismos sociais, das tais
oportunidades.”
Colchão largado na calçada:
Solidão, mal acompanhada.
Sujeito invisível esquecido,
Indigente – triste - jornada.
Tragédia anunciada:
Sujeito invisível esquecido,
Colchão largado na calçada.
- Indigente
adjetivo e substantivo de dois
gêneros
que ou aquele que vive em
indigência, sem condições de suprir suas próprias necessidades;
miserável, necessitado, pobre.
- Indie é uma abreviação do
termo em inglês independent, que
significa “independente”, em
português, e remete ao produto ou
estilo cultural que foge às grandes massas, produções,
empresas ou distribuições.
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Noção de sujeito (a)
Como pode me conhecer
Se sou mutante ambulante?
Como acha que sabe tudo,
de minha pessoa,
se sou mutante em RPM (*) ?
Acredite, não nasci assim a toa
Me perco aqui dentro
como o Minotauro louco
na trilha do labirinto
Às vezes sujeito perdido,
na labia de quem esbarra e
encontra pelo caminho,
ou com um desejo solto,
que bateu voo do peito.
Sou mutante multifaces
Fragmentada sujeita
em cacos de espelhos
espatifados na rota
Um álbum de figurinhas de mim
Acaso se importa
Se estou à deriva
ou a esmo, mesmo assim?
E nesse jogo-de-espelhos
partidos
em cada pedaço
Um
rosto
(animado ou inanimado)
Se
ilumina irreconhecido
Cada um compõe
Alma que abraça e embarca
“Metamorfose-ambulante”,
como já dizia nosso grande poeta louco
Ele já sabia,
que do Eu
a gente sempre
sabe muito pouco.
E de pulmão aberto
em desordem organizada,
desfolho e desvendo
o reto e o torto,
as partes heteronomias,
as personas fantasiadas
e as peladas dos muitos (bichos ou anjos escondidos)
que aqui guardo.
As páginas em branco
ainda vou desenhar,
com que cores ou formas
ainda
não sei
Acordo um dia para inventar e recriar
Não decidi o futuro
porque ele é um estado mental
de desejos e sonhos
que as vezes
nem queremos mais
quando finalmente chegam
E se já não me sei,
Penso não ser mais
a eterna mesma
- de sempre -
parada ali no tempo do retrato.
Ninguém nasce para ser sujeito congelado.
Abandonado, sufocado, largado. Renegado.
Como você pensa saber que me conhece,
E que te conhece, e conhece o outro e a outra,
Se eu mesma, não sei todos os nomes
que ainda não me dei?
De qual sujeito, você está falando?
De qual sujeita?
De mim ou de você?
Também não sei.
Ainda não sei.
Talvez nunca saberei.
Eu só sei que nada sei.
p.s. RPM = rotações por minuto
O Valor da Paga
Por não
acreditar em si,
Aceitava
qualquer salário.
Não por
ser otário,
Mas por
humildade
Extrema
modéstia,
Cinzenta
autoestima.
Ou medo
do risco,
Ou do
imprevisto.
Acordava
cedo,
Trabalhava
duro,
Pouco
faturava.
Assim
sua vida
Andava,
Como um
relógio.
Temia
mudanças,
Tinha
poucas esperanças.
Mas a
vida,
É como
o empregador,
Patrão
de nosso destino,
Penhor
de seu valor.
Somente
oferece
Aquilo
que você aceita,
Não
desiste
Não
rejeita
Pois se
achas que não mereces,
Tanto
faz!
Pois se
achas que mereces,
Tanto
faz!
Se
queres centavos
Terás
centavos!
Se
queres e acreditas,
Terás o
que meditas.
Mas sem
esperanças
Coragem
e perseverança,
Sujeito
não soube
Como
entrar na dança,
Para
mudar seu destino.
Assentou
e conformou.
Assim
continuou
Sua
vida pacata,
De
trabalhador normal.
Dia-após-dia
exatamente igual.
Batendo
cartão de ponto
Não
sonhando tanto,
Sem
muita alegria
(Mas também nenhum pranto)
Definitivamente
Sem
muitos desejos
(Muito menos os ardentes)
Ou
qualquer encanto.
Sem
acrobacias,
Saltos
de trapézio
Ou
andar na corda bamba,
Universos
paralelos.
Acreditando,
Que o
pássaro do encanto nunca chega,
Para
quem vive no tédio.
E por
não acreditar
Em si,
sujeito terminou
Com
pouco,
Sem
fôlego,
(Nem muita história, a contar)
Consumido
de remédios,
Sofrido,
doido e enterrado entre os prédios.
Soube
apenas conformar.
Xerifes do submundo
O gatos
xerifes dos ratos do submundo
Criaturas
oficiais,
(Official Creatures), os da lei:
Policiais
falando do nada
oficiais
considerando, questionando
Seguranças
uniformizados argumentando
O nada.
Comando
nas ruas
dos que
tem crachá,
o papo
do nada
cheio
de ar
da
falta de assunto
do
vazio.
Realidade
cenário
duro
brotando
meninos
perdidos
no asfalto.
Adorei a publicação, ficou linda ! Agradeço e fico muito honrada de participar da revista.
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