Um miniconto de Silviane Ramos | "De que cor ficou?"
Fonte: pixabay.com |
Um miniconto de Silviane Ramos
De que cor ficou?
De que cor
ficou é o que questiona Joana a Maria. Estavam discutindo sobre os coiós que
vinham tomando nos últimos tempos. Maria, mais que depressa, suspira e diz, não
ficou de cor nenhuma, ficou da cor de sempre, mas minha filha pode ir à escola.
Joana, indignada
(mesmo que tenha tomado um coió), diz, Maria, cada vez que você é surrada a cor
não muda? Sorte a sua! Eu preciso sempre disfarçar, disfarçar com maquiagem,
disfarçar a voz barganhada, disfarçar "a tendência” do meu filho.
Maria, já
cabisbaixa… suspira mais uma vez… Suspiro sentido, como se a surra tivesse sido
ainda naquela manhã, e tinha!. Olha firme para Joana e diz, você não cansa? Não
cansa de ver sua vida assim? Joana responde prontamente nessa confidência tão
violenta quanto as surras, Maria, estou cansada, mas para que meu filho não
tenha que disfarçar o resto da vida suas escolhas, eu faço isso! Assim como
suas marcas não são as mesmas, a cor também não é!
Maria diz,
apanhei ainda agorinha, porque Shirley saiu com roupa de rua, como o pai dela
fala. Ele, sempre me culpando de tudo, ela sai e eu fico em casa a ser surrada,
quando ela chega, já respondo logo que está tudo bem! (Há quantos anos!!) Temo
por ela enfrentar o pai, e aí acontecer o pior, mas estou muito cansada, fraca,
já não consigo esconder tanto… Tá vendo aqui, agora é com faca! Com faca,
Joana!
Joana pega na
mão da sua amiga, abraçando-a! Olham uma para outra, novamente firmam os
olhares, e saem na rua, se despindo… gritam a cada peça de roupa retirada, até
chegar na frente da delegacia somente com a parte íntima, aqui estamos nós
vestidas de surra, e de várias cores.
Um coro só,
aqui é Maria… e hoje a cor é vermelho, um pouco de roxo, mas o que escorre é
vermelho, sangue talhado do coió que levei de manhã para minha filha poder
estudar.
Aqui é Joana… e
hoje, além de ter cor, tenho fala e voz, meu filho precisa viver, eu só quero
viver!!
Entram para delegacia, registram suas queixas, ainda marcadas de vermelhos e roxos como roupas que travestem o corpo, o boletim de ocorrência desse dia, preto no branco, agora sem sangue!
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Texto forte, denso, autêntico! Infelizmente muito fiel a nossa realidade! O que falar dessa escritora? Silviane Ramos escreve com a alma, sentindo exatamente tudo que perpassa na vida dessas mulheres! Maravilhoso!
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