Cuide-se ! | Marilia Kubota
MOSAICO Coluna 19 – Crônica
Cuide-se!
por Marília Kubota
Cuide-se! É assim que nos despedimos, durante este tempo de isolamento social. A recomendação é para continuar com o isolamento. Quando necessário sair de casa, usar máscara e álcool gel e praticar o distanciamento.
Eu penso que é preciso uma aprendizagem sobre o que significa cuidar-se. É comum querer cuidar de outros e esquecer-se de cuidar de si. Alimentar-se corretamente, fazer exercícios, cortar o cabelo, pintar as unhas e hidratar a pele é cuidar-se ? Sem dúvida. Mas há outros cuidados, que pouco observamos, no afã de nos relacionarmos com o próximo.
Vivemos numa cultura que prega: "Cuidar é amar!". E assim nos dedicamos a cuidar de marido, namorado, filhos, pais, avós, cachorros, gatos, plantas, casa, amigos. Não pensamos que precisamos, antes de tudo, cuidar de nós.
E quando temos responsabilidade de cuidar, a tendência é extrapolar os limites. O outro precisa tanto! O sono, a alimentação, a leitura de um livro, a consulta com o médico são adiados. A prioridade é atender quem precisa. Assim vamos construindo um abrigo para doenças ou revoltas futuras.
Vivemos numa sociedade que permite cuidar de nós mesmas ? E além dos cuidados com o corpo e com a casa, é possível cuidar do intelecto ? Ler e escrever talvez sejam as atividades mais absurdas desejadas por uma mulher numa sociedade patriarcal.
No conto "O papel de parede amarelo", publicado em 1892, a escritora americana Charlote Perkins Gilman conta a história de uma mulher que entra em depressão por causa da limitação de um casamento frustrante. O marido e o irmão, ambos médicos, a proíbem de trabalhar. Sem que eles saibam, a protagonista resolve escrever.
A mulher, doente, não consegue nem cuidar de seu filho. O papel de parede amarelo do quarto em que é confinada, torna-se uma obsessão. O marido a controla, não só com remédios, mas cuidando de seus pensamentos e comportamento. Além de não poder escrever, a imaginação é considerada uma ameaça. A protagonista deseja que alguém a estimule, mas não tem companhia. O final da história é um colapso mental, no qual ela encontra a desejada libertação.
O conto, escrito no fim do século 19, ainda é uma realidade para as mulheres do século 21. Há homens que cultivam cuidados excessivos com mulheres consideradas frágeis ou doentes. Estes homens temem ter sua autoridade desafiada. E temem, mais que tudo, serem desafiados pela inteligência e desejos femininos. A ameaça é vislumbrar uma outra perspectiva da humanidade, em que as mulheres libertas da opressão de papéis de parede amarelo são donas de sua própria história.
Cuidar-se é atender a seus desejos de expressão e reconhecimento. E não adaptar-se a um papel de confinamento.
Conto excelente. Os limites entre cuidado é controle muitas vezes se perde. Ótima crônica
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