Quatro poemas de Helenice Faria | Uma poética da resistência
Rosana Paulino |
Quatro poemas de Helenice Faria
Deixe-me em
oralidades.
Quero sorvê-las com calma
E absorver a riqueza de cada uma delas.
Não quero regras,
padrões e imposições.
Não acato ordens
Já me desfiz dos
chicotes e das dores.
Concebida na escuridão
Pelas caladas da noite
Vi a vida pelos buracos abertos a ferro.
Nasci à claridade do dia.
Cresci caminhando em cantos, becos e valas
Apaixonei-me pelas favelas e bares
E quis todos os lugares.
Desfilo por avenidas
Meneio a cabeça, o corpo
Ao ritmo do
tambor.
Verte suor, calor
E no constante ardor permito-me filhas e filhos.
Rosana Paulino |
As armas e as
lanças traduzem os traços.
Pontaria em estilhaço.
Não queremos cangaço.
Se pisamos arenas de morte,
Ouça canto e grito forte.
É nosso direito à fala.
Às desculpas (in)conscientes?
Aprumamos o peito
Acenamos a bandeira ancestral.
Apagamos,
Retraçamos os olhos, os lábios.
E gingamos com os
cabelos
Junto ao povo das quebradas
Nos encontros e
encruzilhadas
REexistimos.
Sexualizam meu corpo
Sensualizam meu andar
Assentam-me como mucama
E abusam do reluzir escaldante de minha pele.
Indeferem minhas ideias
Cancelam minha fala,
E quando requisito minha vez,
Criticam-me,
Acusam-me,
E tentam trocar as escolhas e os ideais.
Justificativa: não atendo aos padrões de produção do
conhecimento.
Como preta velha, entremeio ideias:
Meto o dedo nas feridas,
enegreço o mulherio,
reafirmo as origens
penso o mundo pelas lentes da razão:
Enquanto corpo desprivilegiado
A humanidade corre riscos.
Rosana Paulino |
Livre, cercada pelos aprisionamentos da alma,
Leve, tomada pelo peso da segregação.
Atravesso os bloqueios
E o alvorecer do dia.
Rio da vida
Choro nas caladas noites.
Mitigo os verbos e
mastigo-os, lentamente.
Engulo a miséria e a negritude de meu povo.
Caminho descalça e solitária pelas areias
Salto, pulo as pedras impostas
Mesmo que rasguem meus
pés.
Burlo os golpes
Nocauteio o preconceito,
E em salto alto, olho as indiferenças
Que asfixiam meus sonhos.
Avisto o pôr do sol
E na linha fundante da vida
Suavizo os dolorosos olhares
E recorrentes ais que escapam de minha alma.
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