Seis poemas de Mara Senna | Ponta de estrela
Georgina de Albuquerque |
Seis poemas de Mara Senna
Ponta
de estrela
Sonhava
tão alto
que,
um dia,
uma
ponta de estrela
atravessou-lhe
o peito.
Precisava sonhar desse jeito?
Metades
Sou
capaz de longas ausências,
de
navegar por anos a fio,
sem
mandar mensagens.
Sou
capaz de longos silêncios,
de
me calar por muito tempo,
sem
dizer bobagens.
E
então sou a sábia,
a
ponderada,
a
prudente,
a elevada.
Mas
também
sou
a mesma
que
deixa encalhar o navio
nos
bancos de areia,
que
segue o hipnotizante
canto
da sereia,
e
que solta o verbo
e
entrega tudo o que sente.
E
aí, então, sou a tola,
a
impulsiva,
a
inconsequente,
a
doidivanas.
Mas,
somando as metades,
eu
sou é humana.
Georgina de Albuquerque |
Costuras
de vésperas
Eu
tenho o sono das costureiras,
atulhadas
de encomendas,
fatigadas
em vésperas de festas.
Na
noite do baile,
enquanto
as outras mulheres
dançam
pelos salões com seus pares,
elas
dormem desacompanhadas
e
aliviadas.
Só
não sabem é que suas mãos,
rebeldes
e fugitivas,
bailam,
a bel-prazer,
nos
braços de todos os maridos,
ocultas
nas costuras
das
saias e dos vestidos.
Maré
Eu
que aprendi que o amor
era
rocha,
monumento,
solidez
de estátua,
inscrição
em pedra fria,
agora
descobri que o amor
tem
que ser coisa macia:
amar
é a paciência de escrever
na
areia,
e
deixar que a maré apague,
todo
santo dia.
Georgina de Albuquerque |
Segunda
pele
Se
nunca tirei o vestido que usava,
quando
te amei,
é
porque ficou definitivamente
colado
à minha pele.
Quando
saio às ruas,
olhos
ineptos enxergam-me nua,
e
seus dedos acusadores
apontam-me
como louca,
como
se eu repetisse a história
da
roupa nova do rei.
Só
quem usa,
sobre
a pele,
o
mesmo tipo de tecido,
consegue
enxergar que estou vestida
com
o vestido com que te amei.
A
imperfeita
Muito
prazer,
eu
sou a que pisa torto
e
prende os saltos finos
nos
vãos dos paralelepípedos.
Sou
a que puxa o fio da meia,
no
meio da festa,
e
a que perde o fio da meada
num
desses emaranhados da vida.
Sou
a que erra a hora,
confunde
o endereço,
perde
o adereço,
mas
sabe que pra tudo há jeito,
a
não ser para a morte.
O
resto é sorte.
Eu
que sempre me ajustei a tudo,
sou
agora a que não cabe mais no vestido,
a
que oscila entre peso e leveza,
e
aquela a quem tudo é permitido,
mas
nem tudo convém.
Eu
sou a imperfeita.
Aquela
outra, mais que perfeita,
toda
adequada,
guardei
na gaveta de casa,
muito
bem passada,
mas
não pretendo usar de novo.
Até
porque eu já mudei de número.
E
não falo isso com tristeza:
essa
é a mais perfeita libertação.
Georgina de Albuquerque |
Mara Senna nasceu em Araxá – MG e vive em Ribeirão Preto SP. É poeta , autora das obras: Luas Novas e Antigas (edição da autora, 2009), Ensaios da Tarde (Coruja, 2012) e Eternidades na palma da mão (Patuá, 2015) e O Quarto da Memória (Patuá, 2019) e corredatora e co-organizadora do livro em prosa Cartas de Cá e de Lá (Selo Camões, 2019). Participou de diversas antologias poéticas e recebeu várias premiações e menções honrosas, regionais e nacionais, nas categorias poesia e crônica. Tem poemas publicados em revistas e portais de Poesia como Mallamargens, Blocos Online, Poesia dos Brasis, entre outras. Foi a autora homenageada do Projeto Nossa Aldeia da 13ª Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto e, em 2017, recebeu a homenagem “Grandes Mulheres da Literatura” feita pela Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto. É membro-titular da Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto e membro da União Brasileira dos Escritores (UBE). Publica regularmente em suas páginas:
www.facebook/todaprosamarasenna
http://instagram.com/marasenna_poesia
Estou encantada com essas 6 poesias! Leveza, cor e sabor! Um sopro de boa qualidade pra alma!
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