Um conto de Marithê Azevedo | "Céu Escuro"
Fonte: pixabay.com |
Um conto de Marithê Azevedo
Céu Escuro*
Hoje,
os pássaros não cantaram ao amanhecer.
Não
se ouviu, hoje, aquela folia de trinados orquestrados pelo acaso, que me acorda
todos os dias, assim que o sol nasce. Ouço
apenas o barulho do caminhão-pipa passando pela rua de cima. E tosses na
vizinhança, uma aqui, outra lá, duas ao mesmo tempo.
Meus
olhos ardem e o colírio não resolve.
Saí
lá fora para ver o que estava acontecendo. Já eram sete horas da manhã e ainda
estava escuro. Ninguém na rua, a não ser a ambulância do SAMU que parou em
frente à casa da Dona Eulália. Parece que estão levando alguém.
Uma
fumaça densa e escura invade a cidade,
como uma cerração impedindo a entrada da
luz do sol. Entro em casa e tento ligar a televisão para ver as notícias. Está
sem energia. Pego o celular. Está sem bateria.
Um
cheiro forte de carne queimada adentra o desvão da casa e empesteia tudo.
As
luzes dos postes continuam acessas e a escuridão permanece.
No
jornal, me escalaram para cobrir o estrago nas redondezas. Que fogo é este que
espalha sua fumaça pelas cidades e impregna o ar com cheiro de carne queimada?
No
caminho, a devastação já se anunciava. Antas, capivaras, tatus, iguanas, onças e jacarés carbonizados se amontoavam ao
longo de um imenso mar de carvão e cinzas. Restos de penas brancas de uma garça se
misturam ao pó. Da pousada, não sobrou nada, só o lugar onde ela existiu. Ao
longe, algumas pessoas tentam salvar os animais mutilados que sobraram. Não
reconheci mais aquele espaço, que costumava freqüentar em fins de semana. E
olhando agora não me recordo direito o
lugar das coisas. Só sei que eram muitas as árvores. E o ruído das águas? Apenas
um fogo implacável que teima em ficar e que os bombeiros e voluntários tentam,
em vão, contê-lo. Olho para a estrada e parece que ela não vai mais para lugar
nenhum. Alguns fiapos de cinzas lentas voam na superfície carbonizada. Uma
fumacinha vagando tonta parece soltar um último suspiro.
Naquele
instante, tive a sensação de estar no inferno e eu nem sabia que era tão próximo
e nem que era obra do ser chamado “humano”, espécie a que faço parte e que vive
no planeta terra.
* Conto escrito em 2019.
Fonte: pixabay.com |
Marithe é duzentos Tanto quanto ser humano É como profissional de todas as áreas que atua MT se enriquece com sua vivencia aqui E nós por ter ela na nossa.vida
ResponderExcluirObrigada Divanize pela publicação. Estava com ele entalado no coração. Parece que publicar alivia.
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