Cinco poemas de Irene Severina Rezende | "Sereias cantam na noite"
Regina Pena |
Cinco poemas de Irene Severina Rezende
"Sereias cantam na noite"
MUITO PRAZER
Demorei
a chegar
porque
viajei outros mundos:
Fui
ver a vitória régia, nos prados da Iara;
Heroína tupinambá,
naveguei o chão do Araguaia,
sem bússola;
No
coração reprimido
de
minha pobre Jurema,
ensaiei
uma esperança;
Sereei,
pela primeira vez,
no
manso do olhar de Jacira;
Mas a vida tem
mil pátrias e
algumas trazem
a morte no cós
Sereias cantam na noite
e inimigos rosnam de tocaia
quando é lua cheia;
Minha Jurema,
eu
gostava tanto do seu olhar no rio
mas vim servir à poesia
na imensidão do Mato Grosso.
DECOTE DE CORAGEM
Quem
teceria uma corda de
canto
pra dependurar em meu
peito
a bordar-me um decote
de coragem?
Quem
me ensinaria a ser
boa
e a rejuvenescer em tempo de cana?
Quem veria que
nos toques de um silêncio,
minhas saudades bailam como
uma valsa de Siriri?
Só quem percebeu foi
quem viu
que minha tradição reflete os males d’alma
que hoje sou vau de terra queimada
porque já não vejo mais
o bater da porteira;
que trago os olhos
cheios de azedos,
porque sou só uma caipira...
é que tracei o mapa do sertão na areia do boiadeiro
mas na tabuada, na regra-de-três e na raiz quadrada,
engambelei Mariazinha professora do primário
E em tempo de colheita
me semeei ao vento
só esqueci foi de colher-me!
Regina Pena |
PROLONGAMENTO
Sou sua catarse
Deságue em mim seus medos
Sou sua lógica
Ache em mim seu raciocínio
Sou seu estado puro
Peque em mim seu êxtase
Sou seu cotidiano
Procure em mim sua intuição
Sou sua linguagem
Codifique em mim os seus desejos
Sou sua crise
Negue em mim seus sonhos
Sou sua herança cultural
Exiba em mim sua razão consciente
Sou sua culpa original
Libere em mim seu espírito
Sou seu nada
Crie em mim uma poesia
LICENÇA DAs LICENÇAs
Quando eu nasci,
Anjo nenhum me disse pra ser nada
Não apareceu
anjo torto, dos que
vivem na sombra
Pra me dizer pra ser gauche na vida...
Nem apareceu
anjo desses que tocam
trombetas
Pra anunciar que eu fosse carregar bandeira
Nem ao menos apareceu
o chato dum querubim
Pra decretar se eu
tava predestinada
a ser errada assim
Se hoje vivo toda em alternâncias,
se disponho de modo inesperado,
se a minha vida é mutável,
e se me encho de presunção,
as culpas são desses anjos
que só aparecem pra alguns.
QUEM SONHA
Os lugares
nos aprisionam,
são raízes
que amarram
a vontade da
asa
Mia Couto
Nasci Araguaiense!
pra estudar até assinar o nome,
bordar e casar.
Ouvi música antiga,
sonhei caminhando, nas margens,
com pés descalçados.
Não me habituei aos costumes
da minha gente.
Minha alma se fez em desarranjo,
tornou meu andar sem limites.
Cresci, quis correr aventuras.
Bebi as belezas de outros horizontes
Não me reduzi,
ao comportamento de cartilha,
à moral desigual,
que lava os homens de qualquer pecado
e às mulheres ultraja.
Saí para além do município,
Cada vez mais leve, cada vez mais livre,
cruzei estados de pouca poesia,
caí no inacessível, lugar onde eu não queria.
O destino revolveu minhas ilusões,
a vida ensinou-me silêncios,
a dor ensinou minha alma,
que sonhar demais é doideira.
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