Para não dizer que não falei dos cravos | Uma crônica de Dias Campos
Coluna 06 |
Uma crônica de Dias Campos
E a porta se abriu
Se tivermos um
sonho, devemos persegui-lo, pois o máximo que poderá acontecer... Será dar
certo! Essa
frase, de minha autoria, representa a filosofia por que sempre me guiei.
Por força disso, hoje tenho o privilégio de compartilhar com todos um fato
ímpar que me aconteceu.
Desde a adolescência percebi que o
escrever e eu seríamos um só. Restava-me, no entanto, decidir entre duas lindas
primas. A poesia, loira sensível, fazia-me devanear a cada vez que lhe escutava
a voz melíflua. A prosa, morena fogosa, levava-me à ebulição tão só lhe fixava
as curvas enigmáticas. Ó dúvida lancinante!...
Resolvi, então, pedir ajuda a um
dos meus preferidos, e fui me consultar com Voltaire. O iluminista, que lá do
Empíreo já pressentira o meu dilema, não precisou de nenhuma anamnese para me
nortear a escolha. Com a habitual perspicácia, pegou do seu conto A princesa
da Babilônia e relembrou-me que a verdadeira poesia é natural e harmoniosa,
e que tanto fala ao coração como ao espírito. Ora, longe de me melindrar, essa
luz me fez reconhecer a distância que em mim havia entre a efêmera poética da puberdade
e o imorredouro dom dos poetas. E me enamorei de vez pela morena. A escrita,
incipiente que fosse, por óbvio que mais agradava ao meu ego do que aos poucos
leitores para quem não me fazia de rogado – esses, na maioria, pertencentes à
parentela. Mesmo assim, não me deixava abater, pois, como disse, o sonho tem
que ser perseguido.
E seguia com minhas garatujas.
Certa vez, quando cursava o então terceiro colegial, os professores de
português da escola onde estudei – o glorioso colégio Bandeirantes – tiveram a
ideia de compor uma coletânea de contos escritos pelos alunos. Ora, disse para
mim mesmo, “Eis aí a minha chance!” É fato que, num primeiro momento, fiquei
eufórico quando soube que minha história tinha sido pré-selecionada. E mais
deslumbrado fiquei quando a colega da perua escolar por quem arrastava um caminhão
me recobriu de elogios, a mim e ao meu texto.
Agora não me lembra se o fora que
levei foi antes ou depois de constatar que o meu conto não integrara aquela
coletânea...
Recuperado do duplo desengano, só
me restava seguir adiante. Os nãos, contudo, assomavam, mormente quando passei
a tentar os concursos literários. Foi aí que divisei um caminho seguro: era
preciso devorar os clássicos para aprimorar a minha técnica. Interessante
mencionar, e digo isto cheio de orgulho, que essa rota era-me inata; ninguém ma
incutiu! E quão grato fiquei quando, lendo também biografias, descobri que Fielding
e Balzac sentiram a mesmíssima necessidade.
O gosto pela leitura, os monstros
sagrados da literatura universal, o conhecimento que o Direito me proporcionou,
tudo, enfim, me ajudou, e muito, a que a prosa em mim se aperfeiçoasse, se
acrisolasse. A propósito, fiquei muito estimulado ao saber do percurso por que
passaram vários autores consagrados, do passado e contemporâneos, pois que
cursaram primeiro as ciências jurídicas para só depois se dedicarem ao ofício
de escritor.
E o tempo seguiu sem pressa.
Formei-me na faculdade, passei na Ordem dos Advogados do Brasil, advoguei,
conquistei o título de Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do
Ministério Público do Estado de São Paulo, lecionei por sete anos na
Universidade Paulista – UNIP, escrevi livros e artigos técnicos... E jamais abdiquei
do meu sonho. Aliás, este provérbio japonês, e que também espelha o meu âmago,
a perseverança, acabou por fincar raízes na minha cabeceira: Cair sete
vezes; levantar-se oito.
É claro que nesse meio tempo fiz o
que a sabedoria popular recomenda a uma vida plena: cheguei a comer abacates do
pé que eu mesmo plantei, sou confessadamente um pai babão de um garoto de seis
anos, e o primeiro livro que escrevi foi um romance épico-histórico (nos moldes
de Sir Walter Scott), e com “apenas” 117 itens de bibliografia. Esta
última conquista, com efeito, ter-me-ia levado à plenitude. No entanto, problemas
alheios à minha vontade fizeram-me propor um distrato, que foi aceito. E todos
os direitos me foram devolvidos. Assim – e, sem dúvida, isto é subjetivo –, a realização
que pensara ter alcançado como que deixou de existir; como se alguém me tivesse
furtado uma meia-porta lateral de um valiosíssimo tríptico que tanto cobiçara. Que
se busque a reedição! resolveriam uns. É fato que a almejo. Todavia, a consagração
da minha prosa acabaria chegando por um meio até então impensado – a ousadia.
Ora, pensava comigo, por que não
arriscar? por que não confiar na minha capacidade, no meu talento como
escritor? E relembrava a minha filosofia de vida... E pesquisei, e esperei.
Pois a porta finalmente se abriu em 2010, com a convocação para um concurso
literário de âmbito internacional! – o Concurso Mundial de Cuento y Poesía
Pacifista, e que foi divido em várias categorias linguísticas, para uma
equânime apreciação.
Pacifismo?! Mas quem, nos dias de
hoje, se interessaria por algo tão improdutivo, tão pouco lucrativo? Pois
centenas de escritores, do mundo inteiro, a ele se entregaram, a ele se
dedicaram, e com toda a pureza de sua arte.
E qual não foi a minha surpresa
quando, lendo certo dia os meus e-mails, notei que um deles vinha escrito em
espanhol. Tive que ler e reler, não para entender a mensagem, mas para
acreditar que, na modalidade conto em português, fora eu o vencedor daquele
certame!
Algum prêmio em dinheiro? E haveria
quem patrocinasse com numerário um concurso pacifista?... No entanto, a alegria
de ter participado, e pela primeira vez, de um concurso internacional, e de ter
sido o vencedor, ah! isso não tem preço. Ademais, e como se essa vitória não
bastasse, inscrevi o mesmo conto em um outro concurso, o Primeiro Concurso
Literário Oliveira Caruso, de 2011, na Categoria Poesias. E obtive a Medalha de
Ouro! Seria coincidência? Creio que só com relação à minha filosofia de vida,
pois o título do conto é Nunca desânimo.
Gerd Altmann. Fonte: pixabay.com |
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