Uma ficção de Tayná Meirelles | "O então relatório da missão 279"
Fonte: pixabay.comUma ficção de Tayná MeirellesO então relatório da missão 279 |
INTRODUÇÃO
Este
documento visa relatar os acontecimentos da Missão 279 comandada por mim, Abla
Aba. O objetivo desta missão era encontrar a sonda Nia na Terra e trazê-la a
Bem Daren, Cientista Encarregado.
DELEGAÇÃO
E DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES
Abla
Aba: Chefe da Missão. Capitã da Espaçonáutica. Responsável por fazer com que
todos saiam de Babu, cheguem à Terra, coletem a sonda Nia e retornem ao ponto
de partida em segurança.
Bem
Daren: Cientista Encarregado. Doutor em Bem Estar. Responsável por receber a sonda
Nia para analisar se existe vida inteligente na Terra e, se sim, descobrir o
que podemos aprender com ela.
Aduke
Latasha: Tripulação. Pilota.
RESULTADOS
OBTIDOS
Então.
Aprendi na Terra que quando alguém começa com um “então” é porque a história
fica mais complicada.
Depois
de chegarmos na Terra, perdemos alguns dias pois a equipe de envio construiu
Nia em um formato humanóide revestido com o mesmo material de alguns tipos de
terráqueos. Só a encontramos quando percebemos que pessoas com superfícies
marrons, como a dos habitantes de Babu, se concentram em locais menos
favorecidos. Consequentemente, encontramos a sonda Nia em um veículo de
transporte público gratuito chamado Busão.
Fomos
os quatro ao esconderijo de Nia, chamado Apê, e lá nos deparamos com o
problema. A sonda Nia não queria voltar.
Olha,
esta era a minha última missão para que eu pudesse me aposentar. Era pra ser
tranquila! Levar um cientista, pegar um robô e ir embora. Mas não! Eu tô tão de
saco cheio, sabe? Eu só quero parar de trabalhar. É pedir demais? Eu enfrentei
monstros, fui a primeira a entrar em um buraco de minhoca, mas minha carreira
vai ficar marcada por um robô que não quer voltar pra casa? Desde quando eles
querem alguma coisa? Eles podem querer alguma coisa?
Não
sei. Mas Nia decididamente não quer voltar. E sabem por quê? Vou colocar aqui
embaixo a transcrição do áudio do encontro para registro:
“Nia,
vamos recolher as suas coisas para voltarmos para Babu?”
“Então...
Vocês não querem um café? Eu passo rapidinho…”
“Capitã
Abla, ela usou a palavra ‘então’ antes da frase!”
“Bem
observado, Aduke! Nia, por que usou a palavra ‘então’ antes da frase?
Aprendemos recentemente que não é boa coisa.”
“Pois
é, Capitã… Vou passar o café!”
(Som
de panelas no fogão)
“Nia,
estou muito ansioso para saber os dados que você coletou nesses… Quanto tempo
de coleta? ”
“Cinco
anos…”
“Cinco
anos! Muito bom! Você deve ter ido a muitos lugares, aprendido vários costumes!
Este planeta aparenta ter muita diversidade! ”
“Então,
doutor, nem tanto…”
“Não
há diversidade?!”
“Ah,
sim. Isso sim! É um planeta e tanto, mas para fazer essas viagens e conhecer
esses costumes eu precisava de dinheiro, coisa que não me deram no início da
missão. Então, aprendi uma profissão, depois consegui um emprego e fiquei aqui
mesmo no Brasil. ”
“Você...
passou cinco anos... trabalhando no... Brasil? ”
“Calma,
doutor! Nia, você pode explicar? ”
“Sim!
Eu tenho este chamado dentro de mim que é: Conhecer o Mundo. Deve ser a minha
programação. As pessoas por aqui chamam isso de sonho. Todos eles têm. Mas,
para realizar este sonho, as pessoas precisam permanecer vivas. Então precisam
de casa para se abrigar, comida para comer, e estas coisas custam dinheiro.
Para ganhar dinheiro, as pessoas precisam dar algo em troca. Essa troca é
chamada de emprego. As atividades do emprego geralmente não têm nada a ver com
os sonhos. Então não gostamos dos empregos. As coisas de que gostamos são os
hobbies. Mas hobbies não dão dinheiro pra todo mundo… Tem gente aqui que até
consegue ganhar dinheiro viajando, mas eles já tinham dinheiro antes! Eu
preciso juntar dinheiro pra poder viajar.
“Tá,
com licença, Capitã e Doutor… Eu ganho dinheiro pra viajar! Por que você não
virou pilota e completou a missão?”
“Porque
isso aqui é considerado ‘trabalho de homem’, então não me deixaram.”
“Nia,
mas em cinco anos você não conseguiu juntar nem um pouco de dinheiro?”
“Então…”
“Ela
disse ‘então’ de novo, Capitã!”
“Então
o que, Nia?”
“Eu
não consegui porque eu ganho muito pouco. E esse pouco é roubado toda hora por
bancos e políticos. Tentei ganhar mais para diminuir este problema, mas não posso
ganhar mais porque fui feita dessa cor.”
“O
que a cor tem a ver, Nia?”
“Pois
é… Querem açúcar?”
(Som
de colheres batendo em xícaras)
“Bom.
Se não temos dados, só nos resta voltar! Pegue suas coisas, Nia!”
“Então…
eu não vou, hehe…”
“Como?”
“Eu…
sou um deles. Acho que eles são robôs como eu!”
“Nia,
o que quer dizer?”
“Doutor,
eles não comem, não dormem, têm mestres, têm uma programação, seguem regras...
Eles precisam estar em locais com tomadas!”
“Nia,
querida, eles são hu-ma-nos.”
“Então,
eu tam-bém so-ou.”
E
assim, ela decidiu ficar e cumprir suas ordens internas — ou, nas palavras
dela, realizar seus sonhos.
Com
isso, reporto que dei ordens para que a pilota Aduke Latasha levasse Doutor Bem
Daren de volta para Babu e nos buscasse quando Nia entendesse que realizou seus
sonhos.
Eu,
como Chefe da Missão, vou permanecer com ela para acelerar esse processo. Vamos
nos mudar para um Apê maior, vou arranjar um emprego para viajarmos o mundo
logo. Vejam só, eu queria me aposentar e agora estou à procura de um segundo
emprego. Precisamos viajar logo, porque se eu quiser me aposentar, vou ter que
dar um jeito de sair do Brasil.
Com
isto, entrego o relatório nas mãos do Dr. Daren para que ele possa fazer suas
análises.
DISCUSSÃO
DOS RESULTADOS
A
vida na Terra é confusa. As pessoas acreditam que podem mudar suas vidas, ao
mesmo tempo em que seus empregos reforçam o cenário de privilégio e
discriminação. Mas, mesmo assim, as pessoas têm fé. Quem quer que tenha bolado
esse sistema é um gênio maligno.
Em
uma primeira análise, o planeta não aparenta ser uma fonte de aprendizado sobre
Bem Estar. Devemos esperar que Nia realize seus sonhos para podermos aprofundar
os estudos. Vamos torcer.
CONCLUSÃO
Existe
inteligência na Terra. Resta saber se existe vida.
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