Cinco poemas de Letícia Perez | "Som de confinamento"

 

Jukka Niittymaa. Fonte: pixabay.


Cinco poemas de Letícia Perez


A ARTE (13/07/2020)

A arte faz parte

Daquilo que não cabe

No peito em mim arde

Expresso minha metade

 

Inteiro

Primeiro



SOU (25/05/2020)

Hoje o dia está assim

O choro e o riso se intercalam

Disputam a estabilidade

Mas se assim fosse, não seria eu 

 

Eu sou nuances numa longa frase

Um parágrafo completo que perpassa entre drama, comédia e musical

 

Eu sou hipérbole,

E muitas vezes eufemismo

Mas não me permito ser metonímia

 

E de metáfora em metáfora

O sujeito executa o verbo

De uma sentença aleatória

 

Não predestine meu eu

Fui ali, hoje aqui

Quem sabe onde será amanhã

O presente dirá

 

Ouço meu presente, sinto, vejo, inspiro

E sou assim como és


Arek Socha. Fonte: pixabay.com


HOJE ACORDEI ME AMANDO (18/05/2020)

Hoje acordei me amando

Hoje acordei sorrindo por gostar de mim

Hoje acordei me espreguiçando

Pra despertar

Pra ativar cada parte que amo do meu eu

Todas

As boas, as não tanto

As que mostro e as que prefiro guardar e refletir

Hoje acordei sabendo que o dia será lindo

Que o sol está brilhando

Que tocará meu rosto e me fará ainda mais feliz

Pra ratificar que estou viva e que a vida importa

E que importa reconstruir

E que é preciso reinventar

Hoje acordei me abraçando

Agarrando com vontade meu amor

Desejando que todos os dias desperte assim

Sei que não será

Mas eu tentarei

Eu cairei e tentarei mais uma vez acordar me amando

 


VIDEOCHAMADAS (07/07/2020)

Como ficam as trocas de olhares?

Como fica o olho no olho?

Como sei se olham pra mim ou pra sua própria imagem?

Como me concentro no outro e me desvio da minha vaidade?

Será que estou ouvindo atentamente?

Será que me ouvem?

Será que teríamos esse mesmo contato se fosse o antigo normal?

Será que esse é nosso novo normal?

Relações à distância, com desvio de olhares, nos observando num constante espelho, mas que podem ser mais profundas e afetivas que um contato presencial.

 


SOM DE CONFINAMENTO (23/07/2020)

Nove horas e a panela de pressão vizinha já anuncia o almoço ao lado

Dez horas e as crianças começam um falatório inteligível na casa detrás

Ao mesmo em que na frente a cantoria se inicia com uma voz doce já conhecida por meus ouvidos e alma, da qual não sei se reconhecerei no dia em que sairmos à rua

Mais vozes e sons, dos lados, frente e trás, às vezes parecem vir de dentro da mesma casa, da minha casa

Já não sei definir de onde vêm, quem convive com quem

Busco juntar os elementos e criar suas histórias

Mas desisto e me contento apenas em ouvir a sonoridade da mescla de todos eles

A pá que cava

O copo à mesa

A louça sendo lavada

Passos

 "Quem quer leite?"

 "Açai"

 "Pega aquilo, por favor?"

 "Eu também quero"

O cachorro que late

Os pássaros que piam

Raros carros distantes

E tenho pra mim que muitos desses sons vêm de mais longe do que um carro estaria daqui

A natureza está reocupando seu espaço

Enquanto aprecio o som alheio

Numa canção que me permite fazer parte com o meu respirar


Free-Photos. Fonte: pixabay.com




Letícia Perez é atriz há 16 anos e cineasta há 9. Desde os 13, escreve poemas e canções. Letícia vive e respira arte, também com a pintura e dança. Após quase dois anos de dedicação à maternidade e saindo de um relacionamento abusivo, iniciou 2020 se dedicando a lecionar interpretação, atualmente de forma online para todo Brasil.

Instagram pessoal: http//:instagram.com/perfildale

Instagram profissional: http//:instagram.com/palcoazul

Instagram de pinturas: http//:instagram.com/leticiaperezarte

Filme "Perspectiva": https://youtu.be/8QdzPCbaQB0


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