De Prosa & Arte | Arapuca ou Peruca?

 

Coluna 7



Arapuca ou Peruca? 


“os teus olhos coloridos, me fazem refletir que eu estou sempre na minha e não posso mais fugir... o meu cabelo enrolado todos querem imitar”. Macau, Compositor.



Todos querem imitar?

Essa semana meu cabelo foi tema, virou problema. Dilema. Umas crianças depois de ouvirem uma história de Prandi que eu mesmo contava perguntaram:  Porque eram tão feios os príncipes dos quais eu falava? Que estavam ali marrons e pretos nas ilustrações que eu mostrava. 


Eu trazendo sobre a cabeleira crespa meu turbante imponente, me senti impotente e aquela raiva infantil, aquela raiva habitual que me acometia em tempos passados me saltou à boca estridente. Eu engoli em seco, mas confesso que o comentário vindo daquele menino branco foi um soco!


Mais do que depressa fechei o livro e perguntei às crianças ali presentes:

Há aqui  alguém que tenha a pele escura como a minha? 

Ou preta como a dos príncipes ODUS da história que eu lia? 

Crianças da pele escura, preta ou retinta 5 ou 6 eu via. Que loucura!

Foi ver mais de 20 crianças levantarem e se posicionarem ao meu lado, cheias de candura, fazendo pulsar acelerado meu coração que aquela crítica infantil tinha calado.


Então saquei da minha cabeça o turbante, soltei meus crespos e tratei de fazê-los bem altos e repeti a pergunta:

- Porque são tão feios os príncipes e princesas que aqui se apresentam? Somos realmente feios?

Ouvi um coro de vozes infantis dizendo: não!

Mas ali escondidos e abafados senti reverberar alguns “Sims”.

Notei que duas meninas de 8 anos também soltaram suas marias-chiquinhas, meninos cruzaram os braços e fecharam os semblantes. Tava ali do meu lado. Um Quilombo formado. “Macau”, um garotinho de 8 anos, pegou o Djembè e ecoou o tambor.

"Sarará crioulo, Sarará crioulo"


Embaixo do meu turbante não havia nada que eu quisesse esconder ou ocultar, porque minha cabeleira não precisa passar despercebida.

Mas ao ouriçar os crespos ouvi:

- Seu cabelo parece uma arapuca!

- Parece uma bucha!

- Dá pra esconder coisa aí  dentro!

- Será que é peruca?


"Você ri da minha roupa, você ri do meu cabelo. Você ri da minha Pele!"


- Não!

- Meu cabelo não é armadilha pra pegar animal.

- Não é marca de palha de aço!

E como diria Lu Nascimento:

- Nasce forte aqui de dentro. 

Não. Não é peruca!

Mas uma coisa é certa... Dá pra esconder um tantão de coisa dentro...

E talvez seja boa ideia pra cabelo de Loba líder da alcateia que eu tenha mesmo muito espaço para guardar os  versos, os sonhos, a música e a poesia. Meu cabelo não é Arapuca para prender Animal.

Meu cabelo é valor, é textura, é orgulho da minha origem Ancestral.

Crianças não têm culpa da torpe bagagem cultural que carregam e que machuca minha raiz. Educar é preciso! Então eu Sigo. 

Professora Preta, Sarará Crioulo e Feliz!







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