De Prosa & Arte | Guinevere, Guynyver, Guiniver... é nome?


Coluna 12


Guinevère,Guynyver,Guiniver é nome?


Quem no início dos anos 80 seria capaz de compreender o significado de um nome tão incomum? Muitas vezes as pessoas me perguntam qual a origem do meu nome? Qual a motivação para escolha da minha família (mãe)? 


Hoje é muito tranquilo dizer e ser reconhecida por ele, porém nem sempre foi tão legal, fácil e prazeroso falar sobre isso. Agora mesmo precisei “corrigir o corretor” que só me chama de Jeniffer cada vez que uso a digitação por áudio. Algumas pessoas me perguntam também porque eu assino apenas o prenome em muitos lugares? Inclusive na minha primeira publicação literária.


A história de aceitação do meu nome remonta a toda minha infância, onde cada erro de pronúncia escrita ou pedido de soletração produziam um incômodo revirar de olhos da minha parte.


Logo que acessei a escola e comecei a constituir minha figura social, o meu nome virou um problema linguístico. Fui chamada de Gulliver, Guiner, Jennifer, Guiviner, Guilniver entre outros tantos epítetos criados pela pronúncia das pessoas tão acostumadas às Marias, Anas, Adrianas, Danielas, Reginas e por aí vai.


Comecei a inquirir a minha mãe sobre a motivação da sua escolha. Ela sempre me dizia: eu escolhi mesmo antes de saber se casaria ou teria filhos. Minha mãe foi babá de uma garotinha cujo nome era “Guynyver Denise”, rendendo homenagens a um livro cujo título minha mãe desconhecia e também à mãe da criança que se chamava Denise. Daí eu agradeci internamente por não chamar Guiniver Suely, pois realmente acho que Guiniver não combina com qualquer outro nome, isso me rende um certo ranço com nomes compostos. Há quem me chame de “Guiniver Maria” desse eu gosto especialmente pelo carinho que tenho a quem me chama.


Bem, então eu carregava no nome o carinho que minha mãe desenvolveu por outra criança. Isso não era uma garantia de respeito ao meu próprio nome, afinal me enciumava um pouco: meu nome seria o amor da minha mãe por outra menina. E assim se deram todos os dissabores regidos por ele.


Nunca ouvir a pronúncia correta, ter que repetir mil vezes em interfones, entrevistas, consultórios. Uma vez fui parar na lista de chamada dos meninos na escola que estudava, o Educador Físico senhor H. duvidou que eu fosse daquela turma, também nutri por tempos ódio de Educação Física não pela inabilidade dele em copiar uma lista de chamada para seu diário e conferi-la, mas também pela imbecilidade imensa com que tratava gente preta. A não ser que fossem grandes esportistas, o que não era o meu caso... sou das Letras desde sempre.


Às vezes mamãe chateava comigo por verbalizar o desgosto com meu nome, mas eu realmente o detestava. Em casa eu era Gui, Guita, Guiga ou Jé... então pelos apelidos familiares meu nome era afeto. Eu gostava de ser Gui. Ainda gosto. Tem gente mais ousada que vai além como meu avô paterno Geraldo também ia: “Guini”. Não sei se pelo medo de terminar errado, ou por achar a corruptela Gui, pequena demais para quem eu gosto de aparentar ser.


Já adolescente ingressando no magistério, um dos primeiros trabalhos era pensar em reconstruir a identidade a partir do nome e árvore genealógica, daí a busca pelo significado do nome e sua origem se acentuou. Uma professora também nos disse que quando a gente rechaça o prenome a dificuldade de assumir sua identidade é ainda maior. Essa frase ecoou por tempos no mental e eu achava que todos os meus problemas adolescentes eram resultado de não ter adoração pelo meu registro nominal. Adolescentes são categóricos.


Numa roda de conversa com amigos conheci uma garota cujo nome era Ariadne. E ela me disse: _ Poxa, Seu nome é Guiniver?  você precisa ler “As Brumas de Avalon” e conhecer a história de Guinevere e a saga do Rei Arthur. Eu, por exemplo tenho o nome advindo da adoração de minha mãe pela mitologia grega.


_ Bingo! O livro cujo nome ainda era desconhecido havia sido revelado, na época não encontrei o livro, assisti um filme VHS uma história de batalhas anglo-saxãs e também de magia e espiritualidade, daí desejei que meu nome fosse Morgana. Pois, me parecia uma personagem bem mais interessante que a rainha Guinevere, segue a saga. Sabia a origem, mas e o significado?


Durante a minha primeira experiência na educação tive oportunidade de acessar os livros físicos de “As Brumas de Avalon” de Marion Zimmer, uma coordenadora me fez um empréstimo, foi uma leitura encantadora.


Meu hábito de adentrar vez ou outra as bancas de jornal também me botou frente a frente com o livro de nomes, já tinha visto tantos outros, em nenhum deles havia encontrado o significado do meu. Diferente deste que eu tinha agarrado na prateleira. 


Pedi ao jornaleiro que me permitisse abrir e verificar se havia o significado do meu nome ele disse ter um exemplar aberto. Corri para a letra G e lá estava Guinevere de origem Celta, significado: onda branca. Na época já estava me engajando em pautas raciais, achei um despropósito estar me reconhecendo como mulher preta e o meu nome significar onda branca tratei de dar outro significado para essa onda. Sempre tive uma ligação profunda com o mar, com sua espuma branca capaz de levar e devolver unção e assim fiz esses deságues e reconstrução do meu nome, passei a respeitá-lo, entendê-lo como parte fundamental da minha jornada. 


Acho que tive mais sucesso depois de devolver a meu nome o lugar de admiração na minha estante de saberes. Tenho certeza de que a professora estava corretíssima ao dizer que quem somos passa pelo nosso nome de batismo e registro.


Tendo a acreditar que algumas pessoas nos sopram saberes intuídos pelo astral, assim como minha escrita também é sopro na maioria das vezes. Bem, então porque não assumir de vez esse nome, essa força que hoje reconheço ao ouvi-lo? Foi assim que dispensei os sobrenomes, por hora Guiniver é quem eu sou, uma mulher preta, numa onda branca de catarses, amores platônicos, sonhos impróprios e libidinosos, desejos e medos. Essa onda salgada que me lava e leva o que me inibe o caminhar.


Depois de termos acessado academia, ocupado as bibliotecas meu nome causa menos estranhamento, ao assinar Guiniver, também trago a ideia de que nossos sobrenomes muitas vezes não refletem nossa origem ancestral, isso ainda busco. Sem o sobrenome também fico desamarrada dos gêneros, ouso como Cuti, ou bell hooks que usa o diminutivo porque a escrita talvez seja o foco, referendo a escolha da minha mãe e me devolvo o lugar de ser comigo...


Existe alguém para além da Guiniver? 

Acho que num futuro breve nasce uma Guiga Preta que também é fruto de afeto de quem me acompanha. Mas isso é um outro rolê.


Por hora: Sim, Guiniver é nome.

E mais: Guiniver sou eu!


#bdayfellings4.2







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