Preta em Traje Branco | Pequenas Prosas Poéticas de Susana Malu Cordoba
sobre essa necessidade de produtividade, que
não me faz sentir viva.
Se eu ousasse permaneceria inerte beijada pelo
vento,
acalentada pelo gorjear dos pássaros.
Se em mim corresse o fio da coragem,
acompanharia a transmutação das nuvens por
horas a fio.
Abriria o relicário da infância,
estática deixaria o entardecer cair sobre meus
olhos,
e na penumbra me amaria sobre a luz da lua.
Ficaria ali corpo imóvel, imaginando mundos ou
nada
Seria feliz na miudeza de existir.
Lembro da vertigem que me acometeu, logo após meu nascimento.
A boca amargava decepção.
Em meus olhos refletia a lembrança das
senhoras de face endurecida
que colecionam derrotas com a elegância de
quem carrega troféus.
Pensei em quantas vezes o silêncio haveria de
me parir
para que eu me tornasse essa couraça rígida de
mulher antiga.
Eu muda, me questionava se renascer era sempre
assim, uma dor?
Será que foi assim com todas elas?
Foi assim com você?
Mulher, fêmea que ainda atende aos estímulos
da lua.
É
normal a boca amargar para reprimir a lágrima?
E essa dor seca no peito, passa logo ou a
gente se acostuma?
Eu, uma semi mulher que ao invés de me tornar
borboleta,
faço o caminho inverso, refaço meu casulo
e
não consigo ver as asas prometidas.
Eu semi mulher, tempestiva,
semi mulher sedenta.
Semi mulher que ainda sonha.
Eu em processo...
Essa existência sem cura é tão real quanto a
dor.
Eu venho sofrendo de existências repentinas.
A última vez que isso me aconteceu foi hoje
pela manhã.
Estávamos todos tomando café quando me
percebi,
eu estava segurando uma garrafa térmica
quando notei que não éramos as mesmas coisas,
assim como eu também não era aquele fogãozinho
surrado de quatro bocas.
Eu não necessariamente sou esse corpo metódico
que de segunda a quinta, das 8:00 às 8:30 toma
uma xícara de café
com dois saquinhos de açúcar.
Eu existo!!!
E com isso toda a possibilidade
de ser outra
que não essa versão medíocre de móveis
empoeirados.
Eu estou sofrendo de existência repentinas
e elas deixam sempre uma espécie de sumo
que
nunca me salta a língua,
nunca me rasga a pele.
Tenho medo de que esse
sumo de permissão
me leve a caminhos livres como "pés
descalços em terra fresca",
que me leve ao encontro de noites mudas,
surdas,
Ele me perguntou o que eu queria para aquele
dia?
Disse apenas que desejava ser feliz.
E assim o fizemos, egoístas com olhar de umbigo
criamos novas cores para o domingo que se
iniciava.
Mastigamos a miúda felicidade de existir
passamos o dia a bolir daquele amor ainda
prematuro,
mas de muitas promessas.
***
Das roupas que me vestem
Já estava tudo certo: Manhãs ensolaradas, noites acaloradas
e uma duvidosa esperança que me espreitava.
Já estava tudo certo: Novos sorrisos, novas
histórias,
corpos quentes, libido…
Já estava tudo certo: Tudo certo, exceto pela mutação,
a troca de pele que ainda não havia me
visitado,
o passado ainda me vestia.
Eu, como peça de brechó comprada por engano,
me via num novo corpo em um novo templo,
onde
eu tentava ser,
onde tentava me reconhecer,
mas o passado
ainda me vestia…
***
Susana Malu Cordoba, 32 anos, paulistana, moradora da
Vila Brasilândia mais precisamente do bairro Jardim Elisa Maria. Formada em
Recursos Humanos, é diretora do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e por via desse sindicato atua no núcleo da diversidade racial. É poeta e iniciou seu contato com a
poesia através do Sarau Elo da Corrente em 2016, desde de então vem
escrevendo pequenas prosas poéticas.
Instagram: @susanamalucordoba
Que poesias incríveis. Texto que emana sentimentos!
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