Coluna 07 - In-Confidências por Adriana Mayrinck

                                                                                                                                                        coluna 07

(...)
Mas é preciso ter força, 
é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca, 
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha, 
é preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca possui
A estranha mania de ter fé na vida



Estou há quase um ano sem sair de casa, apenas uma vez por semana para supermercados, correios ou eventualmente um dentista. Quando o tempo permite, uma caminhada pelo parque perto de casa. Nada mais. 

Os sentimentos e percepções em relação a isso, variam igual a uma montanha russa. Acho que já experimentei todos os tipos de inquietações e calmarias. Já estive doente, já me recuperei, já emagreci, já engordei. Já fiquei deprimida, já fiquei ansiosa. Umas vezes serena, noutras nem tanto.

Descobri vertentes inexploradas das minhas capacidades e vontades. Principalmente sobre trabalho e formas de interagir nas redes sociais. 
 
Sinto falta do movimento, dos amigos, dos eventos, da praia, sentar no final de tarde em um café... e de inúmeras coisas que nem cabem comentar por aqui. Mas por outro lado, já estou acostumada com a rotina que criei nessa minha janela que abre para o mundo. 

O dia passa tão rápido, corro tanto, entre e-mails, mensagens, ideias e divulgação, que precisaria de mais umas 30 horas no dia para conseguir dar conta de tudo. Tenho trabalhado exaustivamente, muito mais do que quando andávamos para cima e para baixo organizando nossos lançamentos de livros, saraus, tertúlias e oficinas. A única diferença é que é dentro de casa, de um cômodo para o outro. E não tenho hora para chegar ou sair.

De repente comecei a perceber a loucura que viraram as redes sociais, uma competição para quem faz mais lives, mais eventos, convida mais pessoas...

Esse mundo não é meu. Nunca me pertenceu. Nunca me preocupei em olhar para o lado, tentando agradar uns e outros. Sempre fiz a minha parte, as pessoas chegam, naturalmente.

É assim que me sinto confortável. É assim o meu jeito de ser e estar e é nisso que acredito para gerir o meu negócio. Sou solícita, mas não sei bajular um mundo inteiro. Abro as portas e quem quiser chegar encontrará sempre um abraço e um seja bem-vindo(a).

Por cá, estamos em ritmo de fado, cada um faz a sua parte, dedica-se ao que lhe mais agrada, e a vida segue, sem muito estresse, ninguém nos procura, mas quando chegamos mais perto somos sempre muito bem recebidos e acolhidos. 
Há um sentimento mais contido, embora genuinamente alegre e gentil,
a solidariedade e o colocar-se no lugar do outro, que faz parte do sangue luso, 
dá um sentido ainda mais especial a esses tempos tão difíceis que vivemos.

Também me sinto assim. 
Metade do que sou é de/para Portugal. 
Faz falta os nossos abraços. 

No Brasil das redes sociais (falo do ser brasileiro(a), independente do país onde more) parece que o samba não pode parar e, apesar de tantas mortes, dor, miséria, violência, a vida é uma festa e uma competição desenfreada por fazer e mostrar, além do excesso de títulos, visibilidade e reconhecimento.

Sou brasileira e sempre tive muito orgulho das minhas raízes, mas quando a gente sai do nosso quadrado e começa a perceber uma outra cultura e conviver com ela, realmente, essa forma de estar, de que a todo o momento temos que provar que se é excessivamente alegre e desapegado, jogando todo o resto para debaixo do tapete, torna-se demasiado, e começou de verdade a me incomodar. 

Faz parte do meu trabalho, da minha vida, da minha história, manter um pé na outra margem do oceano. Sou grata às centenas de pessoas que participam das minhas iniciativas com tanta generosidade e gentileza, que me apoiam e mal me conhecem. Isso me emociona e me toca profundamente. 

Tenho amor ao meu país e a tudo de bom que existe nele. Mas esse Brasil de 4 anos para cá, essas pessoas exibicionistas e competitivas das redes sociais, que só pensam em mostrar uma felicidade e sucesso que não cabem neste mundo, enquanto o mundo inteiro agoniza, e mais ainda no Brasil, é algo meio intrigante e me faz pensar sobre o que realmente é verdadeiro e real nisso tudo. 
São tantos filtros.

No Rio todos são queridos(as) e aprendi a incorporar essa palavra no meu vocabulário desde que comecei a trabalhar, mas não significa que vou agradar a todos só para ganhar mais curtidas ou inscrições nas minhas redes sociais e eventos. Para mim, todos, na internet e fora dela, são pessoas, queridas, respeitadas e bem-vindas (até que me provem o contrário).

A In-Finita existe desde 2008, sempre promovendo a poesia portuguesa no Brasil, também fui agente literária de um português e produtora cultural de uma atriz de teatro infantil portuguesa. Há 4 anos, decidi fazer o caminho inverso. E o meu compromisso foi trazer os autores brasileiros(as) junto comigo. Edição de livros, divulgação, projetos e iniciativas para cumprir a minha missão e claro, pagar as contas e garantir minimamente o meu futuro financeiro. Pois este, depende do meu trabalho, acredito que seja igual para todos, salvo alguns privilegiados. 

E tudo era tão simples e tranquilo. Divulgava o evento, ele acontecia sempre com muita alegria e depois postávamos as fotos e só. Até o próximo... 
Até começar a pandemia.

Não passeio nas redes sociais, falta-me paciência e tempo. E nem fico ocupando espaços apenas para mostrar que sou mais ou faço melhor, ou conheço mais gente, ou... ou... Não fico olhando para o lado e copiando iniciativas. Tenho as minhas próprias. Umas construo há anos, passo a passo. 
Outras estão aqui, na gaveta, esperando o melhor momento. 

Sou de abrir os braços a quem chega junto e me dá a mão. E isso faço com toda a gente. Lamento quem usa isso para se promover ou querer puxar o meu tapete. Não vou compactuar e nem competir com ninguém. Pelo contrário, sou a primeira a dizer sim e fazer convites. Acredito que todos têm um lugar ao sol e que é lícito copiarem os outros, por não terem ideias originais, pois no mundo de hoje, acho que é até difícil ter uma ideia original, nada se cria, tudo se copia ou se transforma. Deixo que cheguem e deixo também ir. E se um vai, o outro vem, tem muita gente para apoiar, torcer e participar.

Perdi um ano, e talvez mais um.
Do que havia planejado.
Mas ganhei tantas coisas que jamais imaginei.
Tenho feito coisas que sempre neguei fazer. Ganhei mais coragem para ousar e enfrentar a minha falta de habilidade ou vergonha de me expor. 

Tenho esperança. E sei que esse meu tempo confinada não tem sido em vão.

Estou fazendo a minha parte para tornar cada dia um pouco mais leve, mas sem esquecer do que está ao meu redor. São tantos os tipos de sofrimento. Cada pessoa tem um caminho a percorrer, uns com mais espinhos e pedras. Outros menos. Mas somos todos iguais e a dor de alguém é a minha também.Tento ser equilibrada e coerente com esse nosso agora. 
O que posso fazer é contribuir com o meu trabalho e dedicação aos outros, do jeito que sei fazer. Acho que a poesia e literatura sempre estiveram presentes nos momentos mais trágicos da humanidade.

Ultrapasso até os meus limites, alimento-me correndo, mal durmo, mal dou atenção à minha família e amigos, principalmente agora, nesse tempo de pandemia, sempre pensando em fazer o meu melhor, não deixar ninguém sem resposta (como é difícil tentar atender a todos), agregar parceiros, elaborar projetos e iniciativas para criar pontes e laços, fortalecer tudo o que construí e que me propus ao chegar aqui, promovendo da melhor maneira a língua portuguesa e tudo o que envolve a literatura e principalmente encantar os autores(as) que chegam até nós. 

Desde que decidi trabalhar com gente, e isso tem quase 30 anos, e depender dela para viver, decidi também apenas promover o que me agrada e, simplesmente, ignorar o que me desagrada ou incomoda. E finjo que não ouço, não vejo, não percebo. E os dias seguem...

Não separo o ser humano por categorias. Interessa-me o que faz, o que escreve, quem é e como se mostra ao mundo. Mas acho que tem tanta gente doente de alma... consumidas pelo materialismo, egoísmo, oportunismo, competitividade e por tantas banalidades. 
Não tenho tempo para palavras em vão ou falar da vida alheia. Desculpa mas não faço parte de grupos. E sim de projetos.

Falando nisso, ainda estou tentando compreender tanta euforia, indiferença e negacionismo. Cadê o meu povo, do meu país, do Fora Collor, das Campanhas Contra a Fome e a Miséria do Betinho, o Orgulho de Ser Brasileiro?

Se não fosse questão de sobrevivência e essa paixão, quase obstinação pelos projetos que faço, com certeza, não teria nem computador, estaria aqui, mergulhada nos meus livros.

Desconectada de toda essa irrealidade.











Comentários

  1. Seu texto me emocionou, Adriana, porque te compreendi muito bem e me solidarizo com o seu pensamento. Talvez porque também esteja vendo o nosso Brasil da perspectiva de quem está vivendo fora dele. E também porque trabalhamos com cultura e pessoas há tantos anos. Mais ainda, porque somos sensíveis e, ao mesmo tempo, precisamos ser fortes para seguir em frente e fazer bem feito aquilo que nos propusemos a trabalhar para outros e nós mesmas. Obrigada por ter escrito isso. Sem perceber, você escreveu por mim e por muita gente que não mistura coisa com gente, nem virtual com artificial/superficial.

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    1. Gratidão Chris pelo apoio, parceria, amizade e gentileza das palavras. Juntas Somos Mais!

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