De Prosa & Arte | Maresia e saudade
"Me visto de maresia e o tempo nem corre, anda calmaria à beira mar. O quente asfalto corta a paisagem molhada: o verde, o cheiro, a brisa, onde pequenos se distraem com conchas e pedrinhas. O sol anunciando a partida, tímido aquecendo sorrisos numa preguiça cheia de areia e calor. O tempo se veste de sal e ruído de arrebentação. E de tombo em tombo, brota vida beliscando e lambendo nossos pés, esmaecendo com seu cântico na areia. Nostalgia. Aqui no meu Templo silêncio flutuam mil pensamentos, corre denso líquido das grutas dos meus olhos tão salgado quanto o espelho que enfeita a miragem. Nessa hora eu sou quase mar, sem divisão entre o tempo e o destino. Nessa hora eu sou toda mar, sou maré…" Guiga Preta
Todas as vezes que me botei na estrada depois de adulta, não pude deixar de conduzir meu olhar para as bonitezas das aventuras e desventuras de minhas migrações temporárias ao litoral.
Sempre me lembrava de garantir que na bagagem tivesse meus livros preferidos de poesia, bloquinho de notas, lapiseira e borracha.
Nunca fui uma “Dora Aventureira” entusiasmada. Já crescida, o trânsito me deixava tensa, mal humorada. Sempre curti mais a chegada/parada que o caminho e pra evitar que aqueles que seguiam comigo se aborrecessem em demasia, eu me punha a escrever reflexões, poesias, elocubrações fantásticas, alquimias linguísticas sempre num caminho interno para o ócio criativo.
Quando não estava escrevendo, estava criando poesia com nuvens, mania adquirida com as matriarcas da família. Confesso que esse hábito se tornou bem mais divertido depois de ter filhos.
Pelo olhar das crianças nuvens são sempre desenhos postos em movimentos pela brisa.
Daí a minha brisa de mulher adulta em desenhar com a mente naquelas enormes massas de algodão suspensas pareciam mais lúcidas em companhia dos rebentos.
Não fiz viagens muito longas ou internacionais. E sempre que possível migrei pra perto do mar. É onde me sinto plena e inteira. É onde meu corpo se queda, se entrega ao torpor da maresia, a quentura de dourar a pele, ao prazer de ter entre os dedos dos pés a aspereza da areia salina.
Dia desses, ao fazer uma limpeza na pasta de fotos, deparei-me com inúmeras imagens de épocas diferentes dos meus encontros com o mar. Sou amante do mar.
Nunca consegui mensurar essa relação íntima que eu tenho com ele. Faz tempo que não o olho de frente. Nessa condição de distanciamento/isolamento social precisei me apartar de uma das minhas fontes inspiradoras da escrita.
Sou capaz de ficar horas olhando pra sua espuma branca, enquanto brinco de ser feliz em pensamento.
Quando me banha, eleva minha energia e dança ao redor do meu corpo. Sinto falta de dançar com o mar, de me fundir com ele, de ouvi-lo faceiro.
O mar sempre me dita versos, canções e me traz lembranças calorosas. Ou então me estimula a criar imagens mentais e realidades paralelas, cheias de êxtase. Os meus encontros com o mar foram sempre tomados de lascívia, de tesão e de afeto.
Às vezes um qualquer desavisado me tirava desse tônus vibratório, dessa sinergia com as marés que eu e aquela imensidão de água revolta criamos em torno de nós, durante nossos encontros.
Eu sinto saudade de muita gente, de familiares, amigos próximos, afetos, mas morro de saudades do mar, sinto ciúme de quem o tem por perto, de quem dorme acalentado pelo seu ruído de arrebentação, ou pelo tilintar da chuva de verão no seu leito/espelho.
Eu o amo e também temo suas ressacas, seus revezes, seus destemperos e revoltas.
A qualquer hora que eu o procurasse noite ou dia ele estava lá disposto a trocar afeto comigo. Muitas feridas contidas na alma ele curou com lampejos de unção.
Penso que tenho sido muito repetitiva em tudo que escrevo ultimamente. Me falta inspiração, o traquejo maneiro das fofocas que eu fazia com suas ondas brancas.
Sou amante do mar. Tenho tesão no nosso encontro. E uma saudade imensa de flertar com seus acordes.
Quando me falta inspiração, o mar é minha brisa.
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