MulherArte Resenhas 07 | Amazônia em sangue com Sandra Godinho
Amazônia em sangue com Sandra Godinho
_ por Luiz Otávio Oliani
"- Uma estória nunca é a mesma quando passada de boca
em boca”
Sandra Godinho, p. 37
A literatura é uma
produção humana e toda e qualquer classificação em relação a ela segue com fins
didáticos. O uso dos adjetivos serve para rotular, aproximar, moldar, aprumar
ou categorizar estilos e autores, como se não houvesse exceções.
Na História, a produção de literatura ficou restrita, por
séculos, aos homens. Mas, com o declínio do patriarcado na sociedade
brasileira, o direito ao voto, a revolução feminista, entre outras conquistas,
as mulheres passaram a ter espaço no campo das letras.
Bem depois de Dinah Silveira de Queiroz, com “Floradas na
Serra”; Rachel de Queiroz, com “O Quinze”, Clarice Lispector, com “Perto do
Coração Selvagem”, Lygia Fagundes Telles com “Ciranda de Pedra”, Nélida Pinon
com “Guia-mapa de Gabriel Arcanjo”, para ficar somente com estas romancistas de
quilate, eis que surge, em 2020, Sandra Godinho, que se soma ao grupo das grandes
escritoras brasileiras. Com “Tocaia do Norte”, Penalux, Guaratinguetá,
publicação do mesmo ano, consolidou um espaço que já lhe pertencia no romance
brasileiro, em virtude de publicações pretéritas.
Na orelha à obra, Mário Sérgio Baggio, exímio escritor,
assinala a caudalosidade da vida amazônica, em pano de fundo com uma parte da
História, que nos é omitida. Do genocídio de índios, da matança de missionários,
dos negócios regados à desonestidade e à honestidade, em um romance por cujas
páginas passam os “selvagens versus civilizadores.”
No prefácio à obra, Marcelo Adifa, jornalista e escritor,
cita o “amplo domínio da linguagem à escritora” em uma “narrativa auspiciosa e
corajosa ao desbravar um ambiente quase desconhecido entre os brasileiros.”
Sandra Godinho escreve à Jorge Amado, o maior romancista
brasileiro de todos os tempos, só superado por Paulo Coelho. Aqui, um intróito
para explicar que não há o objetivo de priorizar a escrita masculina frente à
feminina, ou vice-versa. Mulheres escrevem tão bem quanto homens, sendo
impossível, (no caso, de quem assina tal resenha), um se sobrepor ao outro. Não
há como. Se homens e mulheres têm vidas diferentes, passam por experiências
diferentes, não há como eleger uma escrita superior, de em um detrimento do
outro. A literatura produzida pelos homens é diferente do que é escrito pelas
mulheres. E ponto final.
Se Jorge Amado
escreveu “Tocaia Grande”, Sandra Godinho
escreveu “Tocaia do Norte”, trama pujante, sangrenta, na qual o leitor
fica preso à narrativa, sem conseguir se desvencilhar da leitura.
Se Jorge Amado universalizou a Bahia; Sandra Godinho trouxe à tona a Amazônia com garimpeiros, índios, religiosos, o Estado, a luta pela posse da terra, a mata com mistérios e ouvidos, a febre amarela, a malária, a sedução pelo poder, tudo em meio aos anos de chumbo no Brasil, durante o regime militar, com personagens apaixonantes.Isso porque os militares queriam desenvolver a região amazônica, mas havia os índios no meio do caminho, havia minérios, ouro, diamante e também o Padre Chiarelli, um religioso que passou a se dedicar aos índios, acompanhado de João de Deus, um ex-seminarista, que viu no pároco um meio de seguir uma vida feliz, em detrimento da que possuía. Num universo de traições, vingança, cobiça, ao lado do desejo de gerar o desenvolvimento àquela área do País, dramas paralelos surgiam em maio à construção de uma estrada no território dos Waimiris-Atroaris, em meio à retomada das obras da rodovia pelos governantes e militares e o abandono de João de Deus do seminário, em prol da atuação com um casal de missionários na alfabetização dos Atroaris na aldeia de Yawará, em Roraima.
Com verve cinematográfica, conforme atestou Marcelo Adifa no prefácio à obra, o romance de Sandra Godinho é uma obra-prima da literatura nacional.
https://www.editorapenalux.com.br/loja/tocaia-do-norte |
Luiz Otávio Oliani cursou Letras e Direto. É professor e
escritor. Em 2017, a convite de Mariza Sorriso, representou o Brasil no IV EPLP
em Lisboa. Participa de mais de 200 livros coletivos. Consta em mais de 600
jornais, revistas e alternativos.
Recebeu mais de 100 prêmios. Teve textos traduzidos para inglês,
francês, italiano, alemão, espanhol, holandês e chinês. Publicou 14 livros: 10 de poemas, 3 peças de
teatro e o livro de contos “A vida sem disfarces”, Prêmio Nelson Rodrigues,
UBE/RJ, 2019. Recebeu o título de “Melhor Autor Apperjiano 2019” pelo conjunto
da obra. Em 2020, teve poema publicado nos Estados Unidos da América, na
Carolina do Norte, em Chapel Hill, na coletânea internacional “VII Heron Clan”,
a convite de Todd Irwin Marshall.
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