Para não dizer que não falei dos cravos | "Chorar" - Por Marcos Nunes
Coluna 17 |
Chorar
- Por Marcos Nunes
Muito
se fala sobre a solidão da mulher negra, este grave problema que assola nossas
irmãs. Mas, já refletimos no que passam os homens pretos também? Somos criados
em uma sociedade em que o “macho-alfa” é um padrão a ser seguido por todos os
aspirantes a homem desde pequenos. É como se houvesse uma cartilha não escrita
de regras e procedimentos na qual temos que nos espelhar, para sermos
considerados minimamente masculinos. Qualquer dissonância deste padrão é
considerada odioso aos olhos de toda uma sociedade que não entende que um
homem, antes, é uma pessoa.
Quando
pesquisamos no Google Acadêmico sobre "solidão da mulher negra",
temos um total de, pasmem, 391 resultados. Não, não estou falando em
milhões ou bilhões de resultados, apenas 391 mesmo. Mas, quando
pesquisamos por "solidão do homem negro" resultamos em 3, eu disse 3
resultados. Ah, o segundo é apenas uma citação do primeiro...
Apesar
de termos, em 2021 – aquele século em que achávamos, quando éramos meros
infantes, que teríamos carros voadores e pessoas melhores – um programa de TV
“na casa mais vigiada” que está com quase metade dos participantes negros,
vemos que as estruturas do racismo e do machismo estão mesmo entranhadas na
barriga desta besta-fera que denominamos Sociedade, fazendo com que repitamos
padrões que dissemos para nós mesmos há 400 anos que não iríamos repetir no
Novo Mundo para o qual fomos trazidos.
Mas,
precisamos questionar: o que é ser homem? A masculinidade é uma construção
social (eita, não nascemos determinados?) que nos coloca em papéis previamente
estabelecidos por uma dita sociedade, transformando o homem no provedor, o
viril, o que não chora, o que está sempre à frente das coisas, o cabeça da casa
e etc. Ser homem é, antes de mais nada, oposição a ser feminino, afeito a
emoções, frágil, fraco, submisso e agradável [esta definição de feminino não é
minha, mas a que está no imaginário popular]. Ou seja, o homem é aquele que
está sempre bem, sempre altivo, nada o derruba, nada o abala, aquele que grita,
que bate na mesa, que arrota no almoço de família, aquele que os filhos nunca o
viram chorar ou perder o controle, afinal, ele é o arrimo da família, o forte,
o norte.
O
que acontece se não formos tudo isso? E mais, o que acontece se formos pretos e
não formos tudo isso? Ora, ser negro ainda faz com que esse homem viril se
torne mais viril ainda, que seja mais forte, mais trabalhador, mais capaz de
enfrentar os problemas, pois um homem negro, com aqueles “corpos maravilhosos
feitos por Deus” não podem dar lugar a coisas fúteis como tristeza, solidão,
fragilidade, sendo, como diz Franz Fanon, somos o estereótipo de homem exótico,
forte, viril, selvagem, violento.
Poderíamos
alegar que nossos corpos negros não são erotizados como os femininos. NÃO, não
somos mesmo! A mulher negra é várias vezes mais erotizada que o homem negro,
estando este acima da mulher negra na questão dos privilégios, como afirma
Djamila Ribeiro e vários outros pensadores negros, mas isto não muda o fato de
estarmos juntos no fim da fila. Os corpos masculinos são fetichizados por
pessoas de todas as raças e classes, sendo comparados os tamanhos de suas mãos,
pés e órgãos sexuais de forma muitas formas - ou seriam todas – vergonhosas.
Muitas vezes, um simples comentário sobre o tamanho das mãos de um homem negro
esconde e ao mesmo tempo escancara diversas formas de prosopopeia ao contrário,
transformando-o em bestas sexuais disponíveis ao bel prazer do outro.
Agora,
se falarmos em sentimentos, peço para que quem me lê, olhe agora para o homem
negro mais próximo e se pergunte, quantas vezes você acha que esta pessoa, sim,
ele é uma pessoa, chorou escondido ao longo do último ano, ou não deixou que as
lagrimas brotassem inclusive para não decepcionar aqueles que estão ao seu
redor? Quantas vezes ele engoliu em seco por não poder falar o que sente sem
ser ridicularizado, ou foi chamado de vários nomes por não entender a dor que você
está sentindo ou já sentiu? Quantas vezes ele já pensou em te abraçar e chorar
junto com você em suas horas mais difíceis, mas não o fez?
Por
causa de nossa criação, somos ensinados a reprimir sentimentos, a sermos o
“pegador” (não aquele utensílio de cozinha), o “macho-alfa”. Mas, quando o
homem recebe uma negativa daquela que ama, lhe é negado o amor que ele merece,
sua companheira é fria com ele, é tratado com desdém por aquelas mesmas que
defendem a não miscigenação (tema polêmico), a quem este homem vai recorrer?
Aos amigos, que nesta hora o tratam por nomes inomináveis por mostrar os
sentimentos? À sociedade, que espera que este homem seja um pouco duro às vezes
(trocadilho nerd infame)? A quem?
Muitas
vezes, o carinho é importante para que a casca exterior se quebre, revelando
sentimentos outrora escondidos, outrora solapados pela mesma dureza que exigem
de nós. Falar de amor parece ser coisa apenas de compositores musicais, poetas
esquecidos que apelam para um eu lírico para dizer o que sentem sem serem
difamados, autores de ficção que colocam todo o sofrimento que possuem em forma
de personagens perturbados.
Me
diga uma coisa, o que você faria se encontrasse um homem sensível, educado, que
te ouve, que te dá atenção, que tenta te auxiliar em tudo, que acha que é papel
dele fazer todas as tarefas de casa e cuidar dos filhos como qualquer outra
parte do relacionamento? Provavelmente, se você se baseasse nas convenções
atuais, acharia que ele teria segundas ou terceiras intenções apenas por ser o
que todos esperam que UMA PESSOA seja.
Noites
mal dormidas, preocupações atuais nos fazem endurecer, mas por que deve ser
assim? Recentemente vi um vídeo de um senhor que havia perdido tudo em uma
enchente, um senhor negro. Naquele rosto, as marcas da tristeza, do choro
interno, da decepção com o mundo, com o racismo que teve que enfrentar até ali,
mas nenhuma lágrima. Aquele era o momento daquele homem ser forte? Por quem?
Por que não pôde deixar escorrer aquelas lágrimas misto de tristeza, frustração
e falta de perspectiva. Eu respondo: porque a sociedade o julgaria como menos
que homem, mesmo estando num momento de total destruição interna.
Precisamos parar de julgar as pessoas baseadas em como somos ou queríamos ser. Deixemos os homens serem, antes de tudo, HUMANOS, com suas falhas, seus medos, seus sentimentos. Vamos amar nossos homens pretos e ouvi-los, aconchegá-los, niná-los, fazê-los perceber que eles podem sim ter um dia ruim e chorar abraçado à sua amada. Vamos mostrar para nossos adolescentes que o amor e o carinho são atributos masculinos, sim. E, vamos ensinar aos nossos infantes que não há problema algum em ser quem eles são, homens pretos que ainda são capazes de chorar.
Imagem de Willfried Wende por Pixabay. |
Parabéns!!! Siga escrevendo professor.
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