SEIS POEMAS DE ANNA MIRANDA MIRANDA
(imagem: Facebook)
VERSO LIVRE
assim escrevo na borda do tempo
linha riscada em giz de sombra pálida
tempo febril indagações metálicas
ponta de aço enferrujado em lomba
lomba de páginas lidas em compasso
lomba de canto gasto e atual
lomba de lombra curto verso inverso
lomba de chão arado tenso igual
linha riscada em giz de sombra pálida
tempo febril indagações metálicas
ponta de aço enferrujado em lomba
lomba de páginas lidas em compasso
lomba de canto gasto e atual
lomba de lombra curto verso inverso
lomba de chão arado tenso igual
assim escrevo no raiar da tarde
tarde molhada líquida desfeita
tarde que logo será noite. E arde.
ardência louca transparente avessa
engole o verso a transparência e a tarde
mais tarde é noite
antes que anoiteça.
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(imagem: Facebook)
PALÁVIDA
Procura o gozo da palavra fértil
Transforma o gosto da palavra amarga
Mastiga o fruto da palavra erétil
Transmuta a pele da palavra gasta
Transforma o gosto da palavra amarga
Mastiga o fruto da palavra erétil
Transmuta a pele da palavra gasta
Desfaz o pranto da palavra inerte
Disseca o assombro da palavra muda
Revive a glória da palavra límpida
Constrói a ponte da palavra alada
Imanta o som da palavra cantada
Inventa a voz da palavra falada
Engravida o silêncio da palavra escrita
Arremessa a flecha da palavra encorpada
Pois que a palavra é encanto, rio e risco
Da sua dor imprevista
Do seu riso improvável
Não sabemos nada.
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(imagem: Facebook)
TRANSMUTANTE
Dos meus pés saem raízes
Das minhas pernas saem memórias
Das minhas coxas saem estrias
Dos meus joelhos saem sussurros
Do meu útero saem orgasmos
Da minha barriga saem espasmos
Do meu abdômen saem urros
Do meu tórax saem buracos
Das minhas costas saem cascas
Dos meus braços saem dores
Das minhas mãos saem garras
Da minha nuca saem facas
Da minha cabeça saem galhos
Da minha mente saem antenas
Parabólicas
De consciência.
Das minhas pernas saem memórias
Das minhas coxas saem estrias
Dos meus joelhos saem sussurros
Do meu útero saem orgasmos
Da minha barriga saem espasmos
Do meu abdômen saem urros
Do meu tórax saem buracos
Das minhas costas saem cascas
Dos meus braços saem dores
Das minhas mãos saem garras
Da minha nuca saem facas
Da minha cabeça saem galhos
Da minha mente saem antenas
Parabólicas
De consciência.
MILHO CRU
Ajoelha-te no milho cru da poesia
Reza um terço ou um rosário de penas
Ser poeta é o grande corte na asa
E aquele velho sangramento na veia.
Reza um terço ou um rosário de penas
Ser poeta é o grande corte na asa
E aquele velho sangramento na veia.
Deixa que o sangue escorra em profusão
Deixa que o sangue espirre água
e dor avermelhada...
Deixa que a própria poesia te recrie
Em transfusão de cores, sombras, luzes e verdades.
Deixa que a própria poesia te recrie
Em transfusão de cores, sombras, luzes e verdades.
Meias verdades são verdades plenas!
Poesia é obra, argamassa, incompletude
O que te resta é preencher a obra aberta
Com teus rabiscos, teu olhar, teu alaúde
Toca o piano da palavra escondida
Nos recônditos profundos do teu medo
O poema espera vir à tona em salto triplo
Em cambalhotas.
Riso, corte, desapego.
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(imagem: carmengoncalves.wordpress.com)
MULHER
A mulher caminha a passos largos
na direção do sol onde ele brilha
em raios fulgurantes ou suaves
O astro- rei abre a luz e a esconde
no ninho
na direção do sol onde ele brilha
em raios fulgurantes ou suaves
O astro- rei abre a luz e a esconde
no ninho
É nessa luz difusa alternada em vislumbres
Que a mulher caminha e vaga
e lume
E volta a caminhar a passos largos
com filhos escanchados na cintura
Ali bem mais ali ela descansa
espiando os rebentos fiando ternuras
E volta a caminhar a passos largos
pois que dona de si ela já é
importa pouco o que vão pensar dela
se entra e sai na porta ou na janela
Deixa rastros e marcas:
É mulher
A trilha trançada das que vieram antes
pegadas
sagradas
sustentam o caminho
que sempre aparece
na curva da estrada
guiado por ventos
e um bom passarinho.
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(ilustração: Juarez Machado)
LAMPEJOS
Beija meus pés pois que te quero aceso!
Levanta da languidez da preguiça
A ressaca mudou álcool e amor já não combinam
Agora somos colombina/ pierrot
Viajar nos sonhos é preciso
Viajar no todo incandescente mundo
Vagabundos.... na vida imprecisa
Tateamos no solo abstrato
Levanta da languidez da preguiça
A ressaca mudou álcool e amor já não combinam
Agora somos colombina/ pierrot
Viajar nos sonhos é preciso
Viajar no todo incandescente mundo
Vagabundos.... na vida imprecisa
Tateamos no solo abstrato
Não precisamos de nenhum retrato
daquela foto antiga que restou!!
Beija meus pés pois que te quero ardente!
Água fervente cheiro de lavanda
Lavemos o tapete da varanda
O vômito/ o esperma.... tantos anos!
Agora são carícias preliminares
Alumiando o corpo e seus altares
Derrubados na rota em colisão
Somos refeitos em nova combustão.
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(fotografia do arquivo pessoal da autora)
ANNA MIRANDA MIRANDA é escritora, cronista, poeta e cantora. É formada em Comunicação Social pela PUC/RJ. Escreve desde os doze anos. Começou com a crônica e a prosa, inspirada no cronista Rubem Braga. Lendo Carlos Drummond de Andrade, resolveu também enveredar pela poesia.
Nos anos 80 publicou seu livro de poemas Prova de fogo, prefaciado por Leila Miccolis e lançado em São Paulo, no I Festival das Mulheres nas Artes.
No período acadêmico fez parte do grupo de editores da Revista Poetagem, onde publicou verso e prosa. Foi gerente do Projeto Torquato Neto, da Secretaria de Educação do Piauí, onde foi gravado o disco coletivo Cantares. Atuou, ainda, como Coordenadora de Editoração da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, em Teresina/PI, onde era publicada a revista Cadernos de Teresina e livros de vários autores piauienses.
No ano 2000 lançou o disco Tropicálido.
Depois de um longo tempo cantando e fazendo shows, em 2019 voltou à poesia, participando da coleção Anima II, de Daniela Pace Devisate, o que lhe possibilitou o contato com uma extensa rede de poetas. A partir de 2020 passou a publicar poemas inspirados em imagens, nas páginas do Facebook. Seus textos também passaram a ser interpretados pelo ator e dramaturgo Antônio Cunha, no canal do YouTube. Em consequência dessas divulgações, foi convidada por Artur Gomes para uma entrevista no site de Poesia Falada, onde também foram publicados seus poemas.
Participação em antologias: Antologia de Escritoras Piauisenses - século XIX à contemporaneidade, organizada por Marleide Lins, Algemira Mendes e Olívia Rocha; Antologia Escrituras da Menarca (Selo Hecatombe, Editora Urutau/2021), com participação especial de Maria Valéria Rezende.
É autora do livro infantil A tartaruga de sete cidades.
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