De Prosa & Arte | Maternagem Real
Às vezes me pergunto onde cresce essa potência, que antes não estava ali, quando éramos sozinhas, antes de “rebentar”. Este poder de abrandar, acalmar, aconchegar, fazer seguir, encorajar, estimular.
Toda a preocupação, o zelo, a força nos momentos mais difíceis, um trabalho de tempo integral, que requer que se esqueça das próprias necessidades em prol de seu coração batendo fora do peito, doendo cada joelho ralado, noite insone, constipação, medo, pesadelos, falta de apetite e nota baixa no boletim.
Eu, que sempre me vi tão rebelde quando filha, queria contrapor, me indispor com regras, maneirismos, convenções, valores e crenças da minha matriarca. Ainda assim, sonhava ter meus filhos/companheiros, pra sorrir dias de sol, me aboletar sob as cobertas em dias nublados, comendo pipoca ou qualquer besteirice.
Eu não me lembro de ter um desejo mais visceral do que ser mãe, mesmo que ali no fundo eu me dissesse que seria totalmente diferente da minha. Confesso achar justa a postura de outras jovens mulheres que dedicam esse tempo a si, aos projetos de estudo e trabalho. Que não anseiam seguir as padronagens impostas pelo social.
Eu fui forjada nessa estrutura heteronormativa, que me ditou regras de comportamentos “adequadas” de ser essa metamorfose feminina. Mas de um tudo pude aprender para me defender e reagir a essa ditadura falocêntrica.
Mas ser mãe… ah, ser mãe, nunca me desprendi desse desejo. Eu nem sei de onde surgiu com tanto vigor.
Talvez, na observação atenta do trato da minha família predominantemente feminina, matriarcal. Lá os homens sempre foram coadjuvantes, até quando elas fizeram parecer o contrário para não lhes ferir os egos. Eu me lembro em tenra idade de ouvir o meu pai - o macho - revoltado:
- Não há o que ser dito, a lei aqui é matriarcal.
Sempre ouvi isso como uma afronta, um jeito que ele tinha de nos por defeito e dizer: - Vocês serão como elas! - e somos.
Não acho que seja uma dissincronia ou defeito, gosto hoje de ser como elas. De trazer seus legados entranhados nos meus sonhos de progresso, na habilidade com as palavras, no tempero que me ensinaram a colocar em cada dia insosso.
Como definir ser mãe?
Penso que não se nasce vocacionada pra isso, como tentam nos impor. Desviem desse percurso. Algo tão intenso, confuso, constrangedor, assustador, insano, estranho e patético. A construção desse afeto é diário, é preciso plantar todo dia, é preciso cuidado na colheita.
Nunca poderia imaginar o tamanho da encrenca que ser mãe me colocaria. Quando você acha que está lacrando o rolê, é o momento em que tudo desmorona bem debaixo de suas vistas como um castelo de cartas.
É quando você percebe que não vai dar conta de tudo. Que algumas coisas não serão facilmente solucionadas por sua "mágica força" de ser mãe. Daí é o momento que a dor engrandece, porque está na hora de mostrar que tua proteção tem limite, teu cansaço não tem fim, que sua idade não lhe permite compreender tudo de forma leve e jovial.
Sim, eles crescem… tecem as próprias dores, os descaminhos, os equívocos, desenvolvem muitas mazelas, inclusive bem parecidas com as que você também tem ali no fundo do baú de problemas, aquelas que tentou esconder pra parecer sobre humana.
Alguns dias serão uma tormenta, você se sentirá um fracasso, um bagaço. Então se eu puder deixar uma experiência, fica aqui a reflexão:
Ensine aos seus filhos todos os dias que você não nasceu com epíteto de mãe, que é falível, que tem desejos e sonhos. Que em noites de chuva você também troveja suas tempestades internas, que sente medo e solidão. Algumas vezes você não terá resposta e tudo que sair da sua boca será só blá,blá,blá… uma performance para maquiar sua própria desilusão. Veja seus filhos. Mas ensine-os a te enxergar também.
Depois de tanto desejar ser mãe e emprestar meu coração para que eles renascessem em segurança, eu descobri que não sei ainda ser mãe, talvez eu nunca saiba. Porque é realmente muito difícil, não tem manual de instrução.
Sigo aqui no processo acerto e erro. Tentando manter uma boa comunicação e um lugar, onde possam despertar para o autocuidado, anseios pessoais, desenvolvendo suas personalidades a parte da minha figura restritiva de mãe.
Alguns dias serão uma tormenta, você se sentirá um fracasso, um bagaço. Nesses dias, peça licença, se recolha… e sem culpa nenhuma, relaxa, toma um goró e descansa.
No dia seguinte sempre tem mais.
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