Coluna 28
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Uma Carta de Nanã pra Oyá com inspiração em Wangari Maathai
"Aviso de saltos temporais: o que vem a seguir não depende da função cronológica da narrativa, saiu atabalhoado como tem sido os dias e os pensamentos. Espero que compreenda Bela Oya.
Nunca quis ser invasiva, pois percebo que tem gente que não gosta de muita “frescuragem". Mas hoje não posso deixar de dizer. Por nós que não nos reunimos mais, porém vamos conectados lutando as mesmas guerras em diferentes searas. Sinto falta dos abraços.
Mas acho que não sei abraçar, sempre que preciso, faço o melhor que posso!
E fico muito emocionada quando sinto a troca energética que um abraço me proporciona.
Tenho medo de demonstrar minhas fraquezas, um abraço sempre as revela.
Quero contar a experiência de quando podíamos ler juntos e em seguida dividir o toque profundo de um abraço-colo. Isso faz um tempo já.
Uma incrível professora colou na escola em que trabalho pra fazer uma fala sobre literatura afro indígena que culminou em três leituras simultâneas: O Ônibus de Rosa/ A Criação do Mundo/ Wangari Maathai.
Eu participei da leitura do último título. Como não conhecia a história, embora já tivesse ouvido falar me encantei com a luta de uma preta no Quênia. Um Nobel da Paz na conta, enfim…
Aí lembrei de ti Bela Oya, de pensar em nos cuidarmos mais e nos vermos mais. Você disse isso naquele encontro literário. Pensei naquele poeta que nunca vi pessoalmente, que ceifou a própria vida, pois o peso de um país que tinha tudo pra dar errado e realmente deu, já o assombrava há tempos. Ele já carregava as sombras de um país excludente.
Lembrei daquele Sarau: você no microfone emocionada, entoou um canto de passagem para o poeta amigo. Em cada nota, o peso da saudade, da indignação, da surpresa e do desejo de um mundo mais equânime para as poesias ventarem livres, sem se preocupar com enquadramento em gêneros. Não falo dos gêneros literários.
A surpresa é que pós leitura, plantamos uma muda, simbolizando o plantio de uma árvore como W. Maathai o faria.
A professora bióloga, chegou com três mudas: uma era de lavanda, a essência a fim do meu Orixá Ancestral, lilás como a cor da banda. As outras duas não me lembro bem.
Não pude conter as lágrimas. Então, sem querer ou querendo, plantei um pouco de mim, de você e do poeta encantado na intenção. Quando botei aquele torrão cuja os galhos finos terminavam em pequeninas flores lilases e enfiei a mão na terra, foi regenerador!
E depois de tê-lo feito “bati paô”, num gesto quase inconsciente, só percebi o que estava fazendo quando terminei e vi os olhos de estranhamento dos colegas sobre mim. Sei lá… sou meio maluca e todo mundo lá na escola nem sente novidade sobre isso.
Sabe Bela Oya, quando você entoou o cântico naquele Sarau, choveu tempestade dentro do meu peito, vi você despida da bravura habitual, era só Oya menina trovejando baixo a perda de um amigo querido.
Então, você veio até mim e me abraçou. Que susto! E que alegria, logo eu que nem sei abraçar... fiz o melhor que pude, pois sabia que você precisava. Eu também. Acho que selamos ali naqueles 20 segundos uma linda parceria entre a Velha Nanã e a Bela Oya.
Quando quiser visitar a muda de lavanda onde plantei nosso desejo de não nos perdermos mais, está mais do que convidada. Sinto ser somente depois desse apocalipse de reclusão. Tomara que as pequeninas flores lilases, resistam.
A literatura e a parceria com vocês me redirecionou, me salvou também!
Muita honra dividir meus pensamentos e escritos com os meus iguais, muito bom é ter na estrada quem caminha junto, abre as picadas à foice e facão, apresenta outros caminhos e se alegra com nossas conquistas.
Eu te olhava Bela Oya. Sua presença forte, às vezes endurecida me fazia pensar num tanto de históricos de rejeição pelos quais nossos corpos e maneiras passam diante do social. Contigo aprendi que nossos sorrisos largos têm um preço, não se dão sem merecimento, por defesa, cautela e precaução.
Mesmo querendo me aproximar entendia sua defesa e seu resguardo. E também me encontrava neles. Exercitando paciência de preta velha. Te ver sorrir, é muito mais legal mesmo. Mas aprendi a ver teu sorriso nos olhos, quando a questão necessita seriedade.
A poeta cubana, tem razão ao querer ouvir versos na tua voz. É encantador, magnético e faz alegria aos ouvidos de quem te escuta.
Contigo, aprendi que intimidade não é coisa que se dê a qualquer alguém. E nem sempre é necessária essa construção. Pessoas vêm e vão. Mas vivências, danças e risos compartilhados aproximam ideias, pirações e reflexões.
Gratidão pelos caminhos que me apresenta, Oya. Quero poder partilhar e me alegrar também com teu caminho na poesia, na contação, na música e na vida. Vou a passos mais vagarosos, como é a práxis de anciãos.
Vou no passo lento, carregando o Ibiri e baforando meu cachimbo... Êêê Saluba! Mas ouvindo a trovoada que anuncia tua tempestade de razão e resistência. Vou logo ali, ouvindo o zunir de sua espada e o Eruexin, que é de abrir caminhos nas forças do Vento.
Que a literatura seja nossa vela condutora, que os abraços possam voltar a ser reais, que os caminhos sejam de prosperidade e na benção de quem nos guarda e acompanha.
Pra você Bela Oya, rendo minhas preces e te saúdo: Eparey, Iansã!
Asè. Sempre. 'Amor, amor em dobro'. De Nanã Buruquê"
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