MulherArte Resenhas 10 | Da fluidez do haicai à densidade da palavra: as audácias de uma poeta que versa o imprevisível - Por Juçara Naccioli
Da fluidez do haicai à densidade da palavra:
as audácias de uma poeta que versa o imprevisível
- Por Juçara Naccioli
Divanize Carbonieri é uma
fonte efervescente e inesgotável de poesia, que transborda a partir de temas diversos, linguagem inusitada e uma constância no exercício da sua
produção literária. Como resultado dessa ebulição, a poeta passa por um
processo de maturação rápido, independente e absoluto como escritora.
A cada obra que se dedica a
escrever, seus leitores são surpreendidos e, neste lançamento, não seria
diferente.
Agora o trânsito poético é
experienciado por meio do gênero haicai, que tem como característica evidenciar o sentimento bucólico de
perceber a relação natureza e ser humano pelo olhar da poesia. Com
isso, Carbonieri deixa fluir toda a admiração que tem por cavalos na brevidade
dessa forma que consiste em três versos.
Nesse novo trabalho, Divanize
se mostra uma intrépida haicaista, que se aventura em composições que entretêm
ao mesmo tempo que nos trazem as reflexões quanto ao plano temático elegido.
Em Carga de Cavalaria, a autora demonstra claramente o seu apreço por cavalos e, por essa
condição, os animais recebem em seus poemas reconhecimento, admiração e o papel de protagonismo. De forma bastante
lúdica, o animal é abordado nos mais variados cenários e situações de lida. Sempre
em primeiro plano, a sua figura contracena com uma infinidade de outros elementos e sujeitos, tecendo um panorama
metafórico, o qual requer um olhar atento e matizado de considerações por parte
do leitor.
Dessa
maneira, o cavalo é versado, em primeiro momento, como elemento dos filmes de
bang-bang antigos, ainda em “chroma-keys/ em ecrã technicolor”. Em outro
momento, é usado como comparação relacionada à figura da mulher em
cenários predominantemente machistas e patriarcais. Também é mostrado na
relação com o trabalho, na qual ele é explorado. Para além desse esquadrinhado de situações,
também podemos encontrar a descrição de outros momentos marcantes, como quando
são relembrados pela sina de serem
equinos.
No início, a poeta ativa nossas memórias afetivas quando nos remete aos cenários
de filmes
de faroeste que foram produzidos nas décadas de sessenta e setenta ou mesmo anteriormente. Arrisco afirmar
que Carga de Cavalaria é uma obra sinestésica, o que é revelado desde o começo,
quando chega ao ponto de acionar, na nossa tela mental, as imagens nas suas
cores originais, as trilhas sonoras muitas vezes produzidas por Ennio Morricone
e as sensações que despendíamos quando crianças aos sábados à tarde: “tomahawks ou tacapes/potros índios e escalpos/ embate entre as escarpas”, “nos despenhadeiros/ carga de cavalaria/ contra sioux lanceiros”.
Num outro momento, a poeta mostra a boa e má sorte na vida de um cavalo: “a vantagem do cavalo/para o bom bovino/é não ter virado bife”, “na equoterapia/ equilíbrio em montaria/ aprumada a postura” , “se o gato é gazeador/ e o cão bajulado/ ao cavalo o labor”.
Ela
também se permite, pela força substancial da militância feminista que exerce,
traçar limiares de singularidades entre o cavalo e a mulher enquanto seres
explorados e subjugados pelo homem: “na guerra mulher/ não tinha serventia/ mas a égua fervia”, “sendo comparado à dama/ o cavalo foi chamado/ de montaria domada”.
Relembra, ainda, todos
os equinos que, ao lado dos seus cavalgantes, protagonizaram grandes
acontecimentos históricos. Carbonieri ressalta, entre outros, Rocinante,
Silver, Bucéfalo, Marengo, Spirit.
A
leitura de Carga de Cavalaria é fluida, mas não branda. Gera reflexões
profundas acerca de questões sociais metaforizadas pela imagem do animal “de
carga” e de imponência. Esse entrelace
de questões nos submetem às que seguem o viés analítico e nos afasta de uma
leitura tão somente de diversão. O que não é de se estranhar nas produções de
Divanize Carbonieri.*
Comentários
Postar um comentário