Para não dizer que não falei dos cravos | Duas crônicas de Dias Campos
Coluna 19 |
Duas crônicas de Dias Campos
Quanta responsabilidade!*
No dia a dia é comum confrontarem-se opiniões absolutamente antagônicas sobre um mesmo assunto. Aliás, nas lides forenses isso é corriqueiro.
Como consequência, é natural que um dos lados prevaleça, seja porque é o mais forte, seja porque está protegido pelo direito.
Sendo assim, jurava que nenhuma outra hipótese seria suficiente para me deixar impressionado ou descontente.
No entanto, ontem à noite, quando assistia à televisão, acabei mordendo a língua...
Era um documentário sobre o posicionamento de vários escritores, atuais e do passado, acerca da esperança.
Dois deles me chamaram a atenção, visto que bem poderiam ser escolhidos os representantes daquele antagonismo.
Por mais paradoxal que seja, apesar do seu Amor de perdição e de ter sucumbido às tentações do suicídio, o extremo positivo era encabeçado por Camilo Castelo Branco, que proclamou “Bendita seja a esperança, filha dos céus, eterno cântico dos anjos.”
No polo negativo, e a despeito de ser muito conhecido o urubu agourento de Augusto dos Anjos, foi José Maria Goulart de Andrade quem mais me impressionou ao dizer “Esperança, és um mal que prolonga a agrura dos vencidos da vida”.
Mas se é verdade que não me sentia impressionado quando o documentário acabou, e desliguei a televisão, não menos exata é a afirmação de que estava bastante descontente.
O motivo? O lado para o qual pendeu a maioria daqueles escritores.
Ora, se nem Dante, quando percorria o purgatório, ouviu do seu guia-poeta, Virgílio, no Canto VI, de A divina comédia, que seria vã a esperança das almas que ali perambulavam pedindo preces, por que nos tempos de maior luz, em que até o limbo foi revogado, como quis o papa Bento XVI, aquela que “... nunca abandonou o infeliz que a procura” (Beaumont e Fletcher) seria a opção menos prestigiada por aqueles literatos?
Como já era muito tarde, deixei meu descontentamento de lado, tratei de tomar um banho quente, e me enfiei debaixo das cobertas. Quem sabe se no mundo de Morfeu eu encontraria uma justificativa que me satisfizesse?
Pois no dia seguinte, quando fazia a toalete, uma lembrança vinha diminuir a velocidade com que escovava os dentes...
Não sei se concordará comigo, amigo leitor, mas aquele desprestígio poderia ser respondido com a ajuda da conhecida fórmula por que um copo com água pela metade pode ser observado.
Nesse sentido, ou nos martirizamos porque só nos resta metade do precioso líquido, ou nos felicitamos porque ainda temos meio copo de água para beber.
Assim, quando a vida nos impõe um período de extrema dificuldade – e não há quem disso se safe –, ou o olhamos através das janelas embaçadas do pessimismo, o que, por certo, afastará qualquer laivo de esperança, ou o enxergamos por meio das lentes cristalinas do otimismo, que encontrará na filha querida da fé a sustentação necessária para enfrentá-lo e superá-lo, permitindo que saiamos dessa experiência mais fortalecidos (resiliência).
Daí eu pergunto: Qual deveria ser o papel do escritor contemporâneo nestes tempos cinzentos da COVID – 19?
Será que aquele que detém o poder de influenciar milhões de pessoas com o seu dom teria o direito de abalar, fraquejar ou até mesmo destruir a esperança daqueles que a ela se agarram, e por ela são beneficiados, só porque se identifica com o romantismo sombrio de Poe, adora voar no pessimismo schopenhaueriano, ou foi acometido da doença da Hiena Hardy? – Oh vida, oh azar...
Fico, então, imaginando se esse autor teria a coragem de manter o seu juízo sobre a esperança, caso tivesse que aconselhar um amigo que ligasse buscando reconforto, porque sua esposa, que pela manhã já vinha sentindo dificuldades para respirar, teve que ser entubada às pressas no final do dia por causa do novo vírus?
Mas como existe louco para tudo, não ficaria chocado se ele, além de manter o seu ponto de vista, ainda achasse oportuno citar Bacon como arremate. – “A esperança é um bom almoço, mas uma péssima ceia.”
Ora! É justamente nestes tempos de pandemia que o escritor tem o dever moral de soerguer, de sustentar, de fortalecer e de estimular os seus leitores a seguirem adiante, esperançosos!
E note, leitor amigo, que ao defender essa postura, não estou rendendo graças a nenhuma síndrome de Poliana.
Apenas que o momento atual pede à literatura que defenda, que estimule e que difunda aquela que, no dizer de Grácia da Cunha Matos, “... é necessária ao coração como o sol à existência das flores.”
Por isso, que tal se enaltecermos, e com um belo sorriso no rosto, que no dia em que escrevo esta crônica, mais de trinta e dois milhões de infectados no mundo já conseguiram recuperar-se daquela virose e estão a salvo em seus lares? que tal se frisarmos que, ao contrário do que acontecia há bem pouco tempo, quando eram necessários cerca de quatro anos para que criassem uma vacina, hoje, em menos de um ano! mais de um laboratório já alcançou a última fase de testes à nova cura? que tal se enfatizarmos que, graças à possibilidade de flexibilização das medidas restritivas de direitos, muitas das atividades econômicas já estão funcionando, e, por força disso, estamos retornando para os nossos empregos?
Ou talvez fosse mais útil aos nossos espíritos que nos prendêssemos ao outro lado da moeda, àquele que faz da desesperança o seu triunfo, a sua meta, o seu ganha-pão?
Sinto muito, mas não posso crer seja esse o melhor dos caminhos.
Mas se ainda houver quem vacile, ouso apresentar esta última questão: Como gostaríamos que nossos filhos atravessassem este momento, descrentes ou esperançosos?
* Crônica agraciada com o 1º LUGAR no Concurso Literário Virtual da ALAP.
Imagem de Monsterkoi por Pixabay. |
Mezinha
Conversava, há pouco, com um amigo ao telefone. A certa altura, perguntei se ele teria alguma dica que me ajudasse a dormir, pois tive insônia na noite anterior e queria garantir uma noite revigorante.
Ele respondeu que bastava ir de carona com a sogra ao supermercado.
Eu ri, mas insisti no pedido.
E ele teimou na resposta; e pediu que prestasse atenção.
Esta indicação, faço questão de compartilhar com você, amigo leitor, sobretudo nestes tempos de confinamento, em que rir é o melhor dos medicamentos.
Em um determinado sábado, sua sogra teve a ideia de ir visitá-lo pela manhã. Na realidade, o que ela pretendia era rever a filha e o neto, e pedir para que ele a levasse ao supermercado, quando, então, faria dele o seu carregador.
Antes de responder, meu amigo resolveu consultar sua esposa com um simples golpe de vista.
Mas como ela permanecia de braços cruzados, sobrancelhas levantadas, e com a cabeça levemente inclinada para frente, alternativa não teve senão a de aceitar o pedido, buscando encobrir o sorriso amarelo.
No entanto, como não digerisse o terrível ônus de mão beijada, aproveitou a oportunidade para economizar combustível, justificando que teriam que ir com o carro dela, pois o seu estava mais sujo que um utilitário recém-saído de um rali.
Partiram logo depois do almoço. Ele foi no assento do carona, pois sua sogra jamais admitiria que dirigisse a sua preciosidade.
Só que sua sogra nunca foi uma condutora exemplar. Daí que toda vez que ela cometia uma barbeiragem, além de ter que engolir as frases solidárias que vinham dos outros motoristas, ela ainda teve que aguentar os seus olhares que, vindos de esguelha e acompanhados de um levíssimo sorriso, incomodavam bem mais do que o linguajar alheio.
Por óbvio que a alegria se manteve durante as compras, pois sua sogra se esforçava para agir como se nada tivesse acontecido, e ele se desdobrava para não rir a cada vez que trocavam palavras.
O retorno não foi menos monótono que prazeroso.
Sua sogra se despediu em torno das dezenove horas. E se você acha que ela saiu muito tarde, bem mais tarde teria saído se tivesse ficado para o jantar!
Quando foi para a cama, ensaiou relatar para a esposa todas as imprudências, imperícias e violações que sua mãe tinha cometido, sobretudo as que foram registradas pelas câmeras do CET.
No entanto, como sua esposa estava exausta, e morrendo de sono, o jeito foi deixar o relato para o dia seguinte.
Mas como o sono não vinha, resolveu refazer mentalmente a ida e a volta até o supermercado.
E a cada vez que se lembrava dos votos de felicidade que sua sogra recebia dos outros condutores, que calculava os pontos que acumularia na carteira de motorista, e que estimava o valor que teria que desembolsar para pagar as multas de trânsito, mais sorridente ficava, mais seu corpo relaxava, e mais sua alma se preparava para uma noite de belos sonhos.
Daí foi só virar de lado, e dormir o sono dos justos.
Depois de rirmos, eu agradeci a sugestão, mas dela declinei, pois além de gostar muito da minha sogra, era obrigado a confessar que ela dirigia muito melhor do que eu. O jeito seria apelar para os barbitúricos, caso a insônia retornasse.
Aconselhou, então, que usasse esses venenos só em último caso, pois sempre ouviu dizer que diminuíam o tempo de vida.
Sendo assim, ouso abusar da sua paciência, leitor amigo, e peço uma indicação. Por acaso você sabe de alguma mezinha que me ajude a dormir?
Imagem de Monsterkoi por Pixabay. |
Dias Campos: Destaque Literário 2020, concedido pela Mágico de Oz; Embaixador da Literatura, título concedido pela Corte Brasileira de Letras, Artes e Ciências - COBLAC, 2020; Ambassadeur Honneur et Reconnaissance aux Femmes et Hommes de Valeur, título concedido pelas Luminescence Académie Française des Arts, Lettres et Culture – Literarte, 2020; Destaque Cultural 2019; Destaque Social 2019; Embaixador da Paz; e Comendador da Justiça de Paz, com a Comenda Internacional Diplomata Ruy Barbosa “O Água de Haia”, os quatro títulos conferidos pela Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos – OMDDH, 2020; Prêmio Internet Coblac – Corte Brasileira de Letras, Artes e Ciências, 2020; Destaque Literário no 32º (2020) e no 28º (2018) Concurso Literário de Poesias, Contos e Crônicas, promovido pela Academia Internacional de Artes, Ciências e Letras a Palavra do Século 21 – ALPAS – 21; ganhador do Troféu Destaque na 7ª Edição do Sarau Musical Cultural, 2019; Menção Honrosa no Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes – 2019; Selo Destaque do mês de agosto, conferido pelo site Vozes da Imaginação, 2017; autor do romance A promessa e a fantasia (Promise and fantasy), ambas as versões em Amazon.com.br, 2015; “Embajador de la Palabra”, título concedido pela Asociación de Amigos del Museo de la Palabra, 2014; 3º colocado no I Concurso de Crônicas da Academia Bragantina de Letras, 2014; ganhador do Prêmio Latino-Americano de Excelência, 2013; Medalha de Ouro no I Concurso Oliveira Caruso, 2011; vencedor do Concurso Mundial de Cuento y Poesía Pacifista, 2010; 3º colocado no II Prêmio Araucária de Literatura, 2010; autor do romance As vidas do chanceler de ferro, Lisboa: Chiado Editora, 2009; membro da Academia Mundial de Cultura e Literatura – AMCL; do Núcleo Acadêmico de Cultura, Letras e Artes do Brasil – NACLAB; da Academia Independente de Letras – Ail Ordem Scriptorium; da Academia Luminescense da Devoção as Artes e Letras – Sucursal Brasil; da Academia Caxambuense de Letras; da Academia Cachoeirense de Letras, da Academia Internacional de Artes, Letras e Ciências a Palavra do Século 21 - ALPAS 21, da Associação Internacional de Escritores e Acadêmicos, da Asociación de Amigos del Museo de la Palabra, do Movimento Poetas del Mundo, e da Revista Itinerário Imprevisto; Colunista do Jornal ROL; do (atual) site Cultura & Cidadania; do Portal Show Vip; e do (atual) portal Pense! Numa notícia; autor de diversos textos literários; autor e coautor de livros e artigos jurídicos.
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