Um conto de Evelise Pimenta | "Foi num sábado qualquer..."

 



Um conto de Evelise Pimenta


Foi num sábado qualquer do mês passado que eu senti vontade de comer alguma carne assada e fui ao mercado daquela esquina famoso por preparar carnes nos fins de semana aproveitando assim os alimentos carnes e vegetais vendidos respectivamente no açougue e na quitanda interna que também oferecia itens de granja como ovos de galinha e codorna que costumo cozinhar ao menos uma vez por semana para obtenção de boa proteína e para acompanhar a proteína da carne como a costela que decidi comprar e que o moço que faz os assados pediu para a mocinha sorridente buscar na cozinha porque eu cheguei cedo demais e as costelas estavam embaladas em papel alumínio desde o dia anterior quando foram assadas porque no próprio sábado não daria tempo de assar a tempo para o almoço dos clientes sempre desejosos de bons nacos de costela que pulavam dos ossos tamanha perfeição obtida através do fogo vindo do carvão e da churrasqueira própria para tal e foi então que eu lembrei que somos poucos em casa e uma costela grande seria um desperdício e por isso eu segui a mocinha com a anuência do churrasqueiro para ver qual pedaço era o menor o qual deveria ser escolhido por mim ainda dentro da cozinha do mercado a qual nunca vi antes tamanha a sujeira das paredes todas cheias de mofo e pretas de nunca terem sido lavadas incluindo os azulejos que nem mais pareciam com azulejos emendados agora com os rejuntes também pretos que contrastavam com o pálido amarelo das batatas recém cozidas e descascadas que esperavam na panela pacientemente para serem cortadas e fazerem parte da maionese do domingo junto com as cenouras ainda cruas que estavam do outro lado da pia que um dia foi mármore branco e que agora era cinza de um cinza bem escuro e fétido que me fez enjoar e me sentir com as pernas fracas e mais fracas ainda quando deparei com o sangue que saiu de pedaços de carne que estavam em uma bacia no chão esperando o tempero e os espetos de madeira para à noite servirem de petiscos para os clientes que jamais imaginariam ao comer que as patas de dezenas de moscas verdes tinham se divertido com o sangue e com os nacos de carne e com as batatas cozidas e até mesmo com as cenouras que embora cruas estavam sujas de mofo do mármore da pia e de mais sangue escorrido e algo mais que não sei dizer pois naquele momento minha pele estava ficando verde como as moscas e eu sentia borboletas no meu estômago fazendo cócegas para eu passar mal e dar vexame na cozinha que também tinha um exaustor preto que um dia foi brilhante do cromado mas que certamente este dia estava muito no passado e já tinha perdido sua função junto com o exaustor que estava em cima do fogão de quatro bocas que milagrosamente tinha em cima de si uma panela enorme com farofa feita de couve, farinha de milho e de mandioca mais cenoura ralada com um cheiro verde cujo cheiro estava encoberto pelo cheiro de sangue de carne e cheiro dos ovos cozidos cozidos há horas e com algumas gemas já azuis porque passou dos oito minutos de fervura da água e por magia da natureza transformou o típico amarelo gema em gema azul mas que na mistureba toda da farofa talvez não se mostrasse demais e faria ainda felizes as famílias que se fartariam daquela farofa e daquela maionese de batatas que não levaria maionese de verdade mas sim um produto industrializado de quinta com gordura de quinta e um tanto de sal que para um cliente com paladar padrão estaria gostoso mesmo porque no seu prato a farofa e a salada de batatas se juntariam com o arroz e a carne e o vinagrete que também era feito naquela cozinha pela mocinha que pegava os tomates que não tinham mais condições de serem vendidos então ela tirava os podrinhos e picava o resto que seria misturado com as cebolas também já com brotos e que eram fonte de alimentos para insetos bem pequeninos que talvez fossem filhotes das moscas ou algum tipo de drosófila que se perdeu das bananas e foram parar na cozinha sem conseguir voltar para a banca mas isso não era problema porque ali comeriam até não aguentar mais ou quando não tivesse mais cascas e cebolas fedidas porque tudo já estava dentro de outra bacia plástica com vinagre de vinho e bastante sal para mais uma vez disfarçar os problemas daquela cozinha onde os pacotes de costelas agora eram colocados sobre uma mesa com rodinhas e apresentados para mim para eu escolher qual delas eu levaria para casa para fazer a alegria da família não sem antes ser colocada no forno limpo de minha casa e aquecida a ponto de os germes serem vencidos pelo calor e não oferecerem risco para a saúde de cada membro que para dizer a verdade nem precisa comer carne hoje e se contentará com o arroz e feijão e ovos mexidos com cebolinha que improvisarei rapidamente tentando esquecer os horrores daquela cozinha daquele mercado no qual jamais porei os pés novamente






Graduada em Pedagogia, pós-graduada em Língua Inglesa e Literatura Inglesa, Evelise Pimenta é ávida leitora desde criança e incansável estudante. Participou da Antologia Contos de Natal em 2018 (Lura Editorial), publicou seu primeiro livro, Tikk, meu amigo além da conta, em 2020 (Lura Editorial), e está para lançar em 2021 seu segundo livro infantil.




Comentários

  1. Escrever é ter o dom de transportar o leitor ao mundo de palavras e imaginação. Você conseguiu fazer isso com maestria. Fui até aquela cozinha fétida e pude sentir a mosca verde pousar na minha pele, mas também senti o delicioso aroma do saborosa arroz, feijão e ovo com cebolinha bem como o amor da família reunida. Parabéns Eve por mais essa conquista.

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  2. Cara Evelise, confesso que iniciei a leitura incomodada pela falta de pontuação e de paragrafação, mas prossegui, afinal, essa liberdade literária não é exclusividade de Saramago. Ao final, percebi que você adotou a estratégia perfeita para a narrativa. Sucesso na sua jornada!

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  3. Não fiquei sem ar pois apliquei técnicas de canto . Já tão pontuada em minha vida percebi em sua passagem por esse mercado que nada mais surpreende e que o livre arbítrio é a nossa luz. Eu também com virgula, ponto, exclamação ou parágrafo não voltaria mais nesse mercado.

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  4. Não fiquei sem ar pois apliquei técnicas de canto . Já tão pontuada em minha vida percebi em sua passagem por esse mercado que nada mais surpreende e que o livre arbítrio é a nossa luz. Eu também com virgula, ponto, exclamação ou parágrafo não voltaria mais nesse mercado.

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