De Prosa & Arte | Se o amor acaba antes do fim, lavou tá novo?
Era só um dia comum, como tantos outros, as roupas na máquina, o cheiro do amaciante. Um dia como outros, sem muita perspectiva. Vinha sendo assim há tempos. Desde que desencontrei o amor-par. Agora era só autoamor, ânsia de reinício, sem vício.
Era só mais um dia comum, como tantos outros. Nos pratos, o resto do jantar de ontem, as taças por lavar, o dia amanhecendo pela janela descortinada da varanda. Era eu recolhendo as roupas que se espalharam pelo chão da sala na noite anterior. Era você no banho, tecendo seus hábitos matutinos sem se apegar muito à minha presença. Era a porta se fechando atrás de nós, o barulho do motor do carro, a volta para casa, meu choro interno e confesso: mais uma frustração dos meus devaneios.
Era mais um dia comum, como tantos outros. Era sua chegada, sua presença. Éramos nós, nos perdoando corpo a corpo sobre os lençóis e depois de satisfeitos, travando mais uma batalha e um desfecho. Um dia comum, como outros: o portão se fechando, um adeus, um tchau, a hora de trocar a roupa de cama, processá-la na lavadora e pendurar nos meus varais junto aos cacos de memórias com cheiro de amaciante.
Era um dia comum, como outros. Era eu, recolhendo as roupas do varal, do chão, da cama. Sempre achei que meu coração era parada obrigatória para o afeto. Descobri que meu coração é só comércio. Os afetos estão de passagem. Meu coração é só comércio e se chama lavanderia. Afinal... se o amor acaba antes do fim, lavou tá novo!
Não é mesmo?
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