De Prosa & Arte | Quando ela disse não
Coluna 36
Foto by Maria Aparecida Castro Augusto
Quando ela disse não
Espera-se de nós gentileza, resiliência, paciência, candura, "postura", maternidade romântica, que sejamos "boas de cama", e que sejamos fiéis aos desejos do patriarcado. Ninguém nos conta, que dar conta do manejo de todos esses desejos alheios é capaz de tolher nossa caminhada, inibir nossa criatividade, imobilizar nosso corpo e frustrar nossos desejos.
Daí a gente passa uma boa temporada numa trágica performance "feminina dócil". É sempre a última a sentar a mesa, nossas gargalhadas precisam ter um controle cirúrgico - não ser tão escandalosa que chame a atenção e nem ser tão miúda que nos torne invisível - precisa estar no molde social ideal.
Usamos os banheiros com as crianças à porta, precisamos saber onde estão meias, cuecas, brinquedos preferidos, chupetas, o dia da reunião da escola, o motivo da nota baixa do filho mais novo. Saber separar por cor e textura as roupas do marido, para que ele se apresente bem no escritório e que sua existência aos olhos de chefes e colegas de trabalho seja exitosa.
Normalmente, mesmo com exímia precisão nessas tarefas, é taxada de louca, desequilibrada, melindrosa, frágil, frigida. Ou ainda: grossa, bruta, agressiva, descompensada e mimizenta.
Muitas de nós vêm dessa forja opressora, onde ter brilho próprio ofusca a "primorosa" existência masculina.
Quando olhamos ao redor vemos todos os nossos desejos e anseios vividos pela metade, invisibilizados, destroçados no caminho. Nossos filhos não nos reconhecem pelo TODO que somos, mas apenas pelo epiteto mãe. Nos resumem assim.
Mas tem um dia no qual a gente se levanta e dá conta de quanto de você foi perdido na árdua caminhada diária para a satisfação dos outros.
Descobre que é fundamental aprender a proferir o não!
Nesse dia, quando disse não, parou o relógio da repetição de padrões.
Quando disse não, se olhou!
Quando ela disse não, se permitiu...
Quando disse não, parou de falsear os sorrisos.
Quando ela disse não, muitos se afastaram e então percebeu o quanto ele já eram distantes da mulher incrível que se tornara.
Quando ela disse não, alterou o curso da própria história.
Percebeu o quanto se havia negado. Se reencontrou por dentro, resgatou sua presença marcante, seu batom vermelho, seu corpo-desejo, sua mente afoita de ideias.
Quando ela disse não, se constelou, se recriou nas nebulosas e orbitou entre corpos celestes. Saltou do vácuo sombrio das interferências tóxicas. Acendeu suas candeias na areia e assim se fez Luz!
Luz é o que se fez no percurso simbólico de ler o desafio aceito por desintoxicar jornadas.
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