Um ensaio de Isabel Furini | A Poesia e sua Função
Imagem de Willi Heidelbach por Pixabay. |
Um ensaio de Isabel Furini
A POESIA E SUA FUNÇÃO
Introdução
Quando
falamos de poesia precisamos entender que entramos em um campo com múltiplas
visões. Alguns consideram que um poema de qualidade deve ser sofisticado; para
outros, o poema revela a alma de um povo e, por isso, deve ser desprovisto de
palavras inusuais e de construções complicadas.
Tive a
oportunidade de ser jurado de alguns concursos e foi muito interessante
perceber que cada um dos componentes das equipes (professor, jornalista,
escritor, poeta, crítico literário, editor, membro de alguma Academia de Letras
ou bibliotecário), tinha uma opinião formada e difícil de modificar. Alguns
amam poemas com rima, mas na opinião de outros ela torna o poema limitado, pois
é preciso escolher palavras pela terminação e não pelo significado.
Um
grupo considerava a poesia como expressão da alma; já para outro a poesia exige um trabalho apurado para escolher as
palavras adequadas e o ângulo de visão capaz de comunicar mais sensações,
emoções ou ideias em quem a lê. Causar efeito no leitor é sempre um objetivo
válido, pois a literatura em prosa e a poesia têm como objetivo a comunicação,
e precisam comover quem com ela tem contato.
Um
poema pode ser como um café que você bebe enquanto olha pela janela do bar ou
fala com amigos: descomprometido ou
alegre. Ou ainda pode ser meditativo ou saudoso, como quando colocamos um chá
numa xícara fina para ser bebericado calmamente na sala de estar, enquanto
ouvimos música clássica ou olhamos um álbum de fotografias antigas. Um poema
pode também ser comparado ao vinho, em que há diferentes tipos: tinto, branco,
rosé, espumantes ou fortificados, cada um deles variando na intensidade de cor,
sabor e no teor alcoólico. A Poesia é como uma mãe, que admite diferentes
gostos e estilos.
O FAZER POÉTICO
Apesar
de ter nascido em Buenos Aires, só uma vez estive presente em uma palestra de
Borges. Foi quando estudava filosofia, no início dos anos 70. Durante a
palestra ele falou de um assunto que amava: os paradoxos de Zenon de Eleia.
Borges gostava de filosofia e também do aspecto lúdico da Literatura. Ele
disse, por exemplo, que “as pessoas têm o péssimo costume de morrer”.
Em
Poesia, Borges gostava dos jogos linguísticos, das sutilezas, da ironia.
É
preciso investir tempo para trabalhar o poema com metáforas e outros recursos
de estilo. A linguagem familiar e a linguagem poética são diferentes. É preciso
sensibilidade estética para trabalhar a palavra, trabalhar o imaginário e fugir
dos clichês. Marcelino Freire, em uma oficina que ministrou em Curitiba há
alguns anos, falou que não era bom deixar que o poema se faça sozinho. A
inspiração pode ser muito boa, mas é preciso intervir e moldar o poema.
Alguns
poetas pensam que só pelo fato de conter
mensagem positiva o poema é bom. Mas nem a poesia, nem o poema podem ter
compromisso com a visão positiva do mundo. Entendamos: a visão positiva do
mundo faz uma pessoa viver melhor e superar obstáculos, isso é verdade, mas a
poesia não tem objetivo prático, não é subsidiária da positividade. Um poema
pode provocar mal-estar, sensibilizar para estados de ânimos indesejáveis
(tristeza, solidão, raiva), e ser um excelente poema. Cumpre a sua função que
não é colocar sorrisos nos lábios do leitor, mas compartilhar uma emoção que
também faz parte da subjetividade humana.
Podemos
entender que a poesia, como as outras artes, tem a função de comunicar, mas não
é possível se determinar o que comunicar. O mesmo acontece em Artes Plásticas.
Por exemplo, o quadro “O grito” de Edvard Munch provoca diversas emoções no
observador, como angústia, medo, tristeza, e, justamente essa é a sua grandeza.
Também a sétima arte premia filmes que deixam o espectador confuso, deprimido
ou assustado. Esse era o objetivo do diretor: provocar emoções.
Há
pouco tempo, o professor e crítico literário Robson Lima, escreveu: “É interessante notar que os livros de
autoajuda se valem de tudo para provarem-se úteis, enquanto a alta literatura
de tudo faz para provar-se inútil.”
PARA QUE SERVE A POESIA?
E algumas pessoas declaram que “a Poesia não serve para nada”. O fazer poético
não tornará uma pessoa rica e influente, mas a fará olhar o mundo de uma dimensão
diferente. E se a vida humana tem algum valor, além do econômico e do social, é
esse olhar o mundo de maneira diferente… o fato de ver-se, sonhar-se, projetar
o próprio eu além do cárcere do espaço e do tempo, no qual estamos
prisioneiros, ajudando a estender as asas, a ser mais Ser, na linguagem de
Platão.
O
conhecido mito da caverna, apresenta um cenário com pessoas sentadas e
acorrentadas em uma caverna. Fora tem Sol, e os passeantes (sejam humanos ou
animais) projetam sombras. E os prisioneiros da caverna estão acostumados a ver
somente sombras. De repente, alguém é retirado da caverna e obrigado a ver o
mundo real. Quando ele volta para a caverna fala de um mundo diferente, e não é
compreendido.
Alguns
consideram os poetas como visionários. Os olhos dos poetas enxergam outra
realidade, pois a poesia exige, em primeiro lugar, um olhar singular. O poeta
olha o mundo com assombro, com espanto. Às vezes sente-se confuso, e em outras,
iluminado. Quando lemos um poema, percebemos o olhar do poeta. A linguagem
cotidiana não preenche os requisitos necessários para expressar os pensamentos,
sentimentos, emoções, sensações, ou seja, não consegue expressar a vida
subjetiva do poeta. Por isso precisa da metáfora, do jogo linguístico, do
paradoxo, e de outros recursos, para manifestar sua maneira singular de exprimir a
visão de seu próprio eu e do mundo.
RESPIRAR POESIA
A
poesia é respiração. É o inalar e o exalar do verbo na cabeça do poeta. É
reveladora do ritmo mental, de seu passo (lento, rápido, agitado) e de seu
olhar.
Nas
palavras de Otávio Paz: “Há máquinas de
rimar, mas não de poetizar. Por outro lado, há poesia sem poemas; paisagens,
pessoas e fatos podem ser poéticos: são poesia sem ser poemas. Pois bem, quando
a poesia acontece como uma condensação do acaso ou é uma cristalização de
poderes e circunstâncias alheios à vontade criadora do poeta, estamos diante do
poético.”
Aristóteles
dividiu as atividades humanas em: a) teorética, busca do verdadeiro
conhecimento, b) práxis (prática ou a técnica); c) Poiesis, o impulso criativo. Para Aristóteles a poesia
externalizava a emoção.
O
poeta, é então quem trabalha com poesia, é um artesão da palavra. Ele consegue
despertar emoções, sentimentos do ouvinte ou do leitor.
O poeta
deve ter apurada sensibilidade para traduzir em palavras as emoções e os
sentimentos humanos. Seus poemas podem falar de amor, de solidão, de abandono,
de tristeza, da vida ou da morte, mas as palavras precisam ecoar na alma do
ouvinte e do leitor. Para isso o poeta precisa aprimorar a sua voz poética.
Utilizar com maestria os recursos: metáforas, imagens, descrição, enumeração,
ironia, paradoxos e outros. Os jogos linguísticos tornam o poema lúdico, ou
seja, apresentam uma das características da Poesia e das Artes em geral: o
prazer estético.
SOBRE A INSPIRAÇÃO
E qual
é a força motriz da inspiração poética? No Íon, Platão afirma, que é a
inspiração proporcionada por um deus. Esse diálogo só tem dois personagens:
Sócrates e Íon de Éfeso, um rapsodo de Atenas que era famoso nessa época, na
qual declamar poemas era uma arte muito apreciada. O rapsodo afirma que só se
entusiasma e emociona quando declama os poemas de Homero.
Essa
ideia da criação poética subordinada à inspiração divina é o centro dessa obra
de Platão. Ele escreveu poemas em sua juventude, mas com o tempo percebeu que
os poetas valorizam mais a beleza do que a verdade. Platão, como filósofo,
sentiu que tinha o dever de colocar a verdade em primeiro lugar, e criticou os
poetas. Mas, no livro “Íon ou da Poesia”, considera os poetas e seus
intérpretes inspirados por um dom divino. Nesse diálogo, Sócrates cita como exemplo dessa inspiração divina o
poeta Tínico de Calcis, que era famoso por ter escrito um peã
(hino cantado em honra à Apolo). Segundo Sócrates, esse foi o único trabalho de
valor de Tínico, na sua opinião isso evidenciava que o poeta havia sido
inspirado pelo deus Apolo.
Em Íon
ou da Ilíada, o personagem Sócrates explica que assim como a pedra ímã pode
atrair outros objetos de metal, a esses objetos ainda podem se aproximar
outros, pois o ímã de ferro não só atrai objetos de metal, mas comunica a sua
força e pode formar uma longa corrente de anéis de ferro. Para Platão, a Musa
(o ímã), inspira um poeta ou literato a escrever (esse seria o primeiro anel de
ferro). Um declamador ou intérprete ao ler ou declamar um poema com emoção
também atrai e emociona os ouvintes. O ouvinte também se emociona (terceiro
anel de ferro).
Íon
confessa que muitas vezes declama e se emociona, e percebe o auditório pendente
de suas palavras, sendo que ele mesmo chora quando declama as partes mais
dramáticas, e consegue enxergar as pessoas na plateia também chorando. Sócrates diz que: “isso acontece por uma
possessão divina”.
Os
poetas são inspirados pelas Musas ou devem trabalhar duramente até conseguir
sua própria voz? A poesia, como todas as
artes, obedece a dois elementos: o dom e o treinamento. Sem o treinamento sua
voz poética não é aprimorada, mas além desse treinamento é preciso de algo
mais… esse olhar singular que faz ouvintes e leitores ficarem admirados, pois
como afirmou Ferreira Gullar “a poesia nasce do espanto”.
BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. Poética.
São Paulo: Abril Cultural (col. Os pensadores), 1979.
PAZ, O. O arco e a lira.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
PLATON. Obras completas. Buenos Aires: Editora Aguilar, 1969
https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/20_KrishnamurtiJareski.pdf
Revista Pandora BrasilEdição99• Março de
2019ISSN 2175-3318
http://revistapandorabrasil.com/revista_pandora/estetica_e_filosofia_99/dirani.pdf
Imagem de M. Maggs para Pixabay. |
Isabel Furini é escritora, poeta, palestrante e educadora. Autora de 35 livros, entre eles, “Os Corvos de Van Gogh” (poemas). Seus poemas foram premiados em Brasil, Espanha e Portugal; é criadora do Projeto Poetizar o Mundo; membro da AVIPAF (Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia), recebeu Comenda Ordem de Figueiró, Artes e Cultura do Brasil, RJ, 2015; foi nomeada Embaixadora da Palavra pela Fundação Cesar Egido Serrano (Espanha, 2017); Participou de Antologias poéticas em Portugal, Argentina e Chile; Foi convidada para palestrar sobre a arte de escrever, na Feira Internacional do Livro de Foz de Iguaçu, na Feira do Livro e da Leitura de Campo Mourão,PR, e não Felima (Festival Literário Internacional de Machadinho, RS); Realizou recitais poéticos na 36a. Semana Literária do SESC & XV Feira do livro da UFPR, em 2017, e um Recital Poético na Biblioteca Pública de Burlingame, Califórnia, USA, em 2018. Alguns de seus poemas infantis foram escolhidos para contação de histórias em escolas, em Setúbal, Portugal e em diferentes escolas do Brasil.
Texto bem oportuno.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário, Rozana Gastaldi.
ExcluirTexto detalhado de ensinamentos!! Parabéns querida poeta Isabel Furini!!
ResponderExcluirMuito obrigada, querida Maria Antonieta Gonzaga Teixeira.
ExcluirFiquei encantada com a matéria acima sobre poesia, muito obrigada pelo conhecimento!
ResponderExcluirObrigada a você, pela leitura do texto e pelos comentários.
Excluir