Lançamento | Coletânea Mulherio das Letras para Elas
Mulherio das Letras lança e-book gratuito em prol das mulheres do Afeganistão
Link para ler e/ou baixar gratuitamente:
http://bit.ly/mulheriodasletrasparaelas
Apresentação
por Adriana Carranca / Jornalista
Quando recebi o convite para escrever a apresentação de uma Coletânea Mulherio das Letras pelas Meninas e Mulheres do Afeganistão, aceitei imediatamente por dois motivos. Primeiro, porque conheci o movimento, ainda em gestação, em um jantar com Maria Valéria Rezende e Ângela Lago durante a Flip — Festa Literária Internacional de Paraty, em 1 de julho de 2016. Naquele momento, eu soube estar presenciando o nascimento de um movimento literário histórico.
Depois, pareceu-me extraordinário que escritoras brasileiras estivessem interessadas em voltar seu olhar sensível para mulheres afegãs e expressar o que viram em poemas, cartas e manifestos. Lembrei-me da fala poderosa da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie sobre os riscos de uma única narrativa.
Por uma dessas coincidências surpreendentes da vida, dias atrás tive a oportunidade de conversar sobre este assunto com Chimamanda. O noticiário internacional alertava para o retrocesso e os perigos que a volta do Talibã ao poder central em Cabul representava, e nossa conversa caminhou naturalmente para a condição das mulheres afegãs.
Compartilhei com Chimamanda algumas das experiências e impressões que tive nas viagens que fiz como repórter ao Afeganistão. Falei a ela sobre Shamsia Hassani, a primeira grafiteira afegã. Sobre a violoncelista Meena Karimi, formada pelo Instituto Nacional de Música do Afeganistão. Sobre a deputada Fauzia Kofi, primeira mulher a ocupar o cargo de vice-presidente do Parlamento na história do Afeganistão. Sobre a médica Massouda Jalal, a primeira mulher a se candidatar à presidência do país. Sobre a primeira equipe de boxe feminino do país. Sobre skatistas, ciclistas, estilistas, jornalistas, fotógrafas e outras.
Mas, não é delas que a maioria se lembra quando falamos sobre as mulheres afegãs. No consciente coletivo as mulheres afegãs não têm rosto nem corpo, escondidos sob a burca.
Os Estados Unidos, em busca de apoio para a entrada e permanência das forças americanas no Afeganistão, explorou intensamente essa imagem, replicada e compartilhada à exaustão em todo o mundo. Tanto que se tornou impossível enxergá-las de outra forma.
Vemos a burca e automaticamente presumimos esconder uma mulher oprimida, sem estudo, desinformada, submissa, provavelmente pobre, incapaz. Vemos a burca e sentimos pena mesmo antes de conhecermos a pessoa sob o manto azul, “uma espécie de pena paternalista e bem-intencionada”, como descreveu Chimamanda sobre o sentimento de sua colega americana em relação a ela, antes mesmo de conhecê-la, apenas por ser nigeriana. “Ela tinha uma única história da África, uma única história de catástrofe” Chimamanda disse. “Nessa única história, não havia possibilidade de os africanos serem semelhantes a ela de forma alguma, nenhuma possibilidade de sentimentos mais complexos do que a pena, nenhuma possibilidade de conexões como seres humanos iguais.” O mesmo pode ser dito sobre o Afeganistão. Vemos a burca, mas não a mulher afegã.
Isso não significa ignorar os desafios e os problemas que enfrentam — e são muitos — ou minimizar a gravidade das violações de direitos humanos que muitas sofrem, mas enxergá-las em toda a sua complexidade.
Considerar ou narrar apenas o que é imposto a elas é também uma forma de violação. É negar reconhecê-las como protagonistas de suas próprias vidas e histórias. É impedir que sejam vistas por inteiro, da mesma forma que impõem os Talibãs. E, como me disse a paquistanesa Malala Yousafzai, que sobreviveu a um atentado dos extremistas e se tornou a mais jovem ganhadora do Nobel da Paz, somos não apenas o que vemos em nós, mas o que os outros enxergam em nós.
Ao propor que escritoras brasileiras voltassem o olhar para as mulheres afegãs, Vanessa Ratton e Maria Valéria Rezende levantam uma ponta do véu sobre elas.
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