Para não dizer que não falei dos cravos | Seis poemas de Jansen Hinkel

 

Coluna 26

Seis poemas de Jansen Hinkel 


cera

 

(paragrafias, p. 57).

 

vespas medonhas

em conjunto

de ponta cabeça

na madeira podre.

 

de pedaço em pedaço

na trajetória do ar

de uma árvore qualquer

para o canto da calha.

 

abelhas-cupins

direcionadas

a um trabalho

formal de cera.

 

uma colônia

de escuras asas

e um plano ancestral

para o deus-hexágono.

 

nós,

quase tal elas,

com a segurança,

antinatural,

de também organizar

o tudo

em formatos.

 

e alienígenas sem asas

de inflamadas conjuntivas

nos prendemos em lados

centros e túnicas

de futuros

que não serão.

 

 

uma bruxa

(paragrafias, p. 130).

 

Compostos venenos,

bem arrumados na tábua pregada

a servir de estante.

Emplastros e líquidos com cheiro de fruta podre.

Uns ramos amarrados com palha.

Um gato magro e orelhudo,

a espiar panelas.

Alinhadas cartas de tarô de Sevilha

e os incensos.

Era o fim de uma tarde azul

e a luz invadia nos caibros

e vigas da varanda

poluída por plantas secas

e espadas de são jorge.

Um vulto profano,

esquálido,

espiava transeuntes.

Um quadro verde na parede

amareleceu com o tempo

e a imagem do rio

agora parecia

a famélica estrutura

de um lagarto.

Os vizinhos em conluio

direcionavam maus-olhados

ineficientes:

pois nada pegava nela

e eles já sabiam,

mas a fé em pensamentos

prejudiciais

é igual

ou tão mais secreta

que o silêncio das bruxas.


Imagem de Magic Creative por Pixabay.

 

atividade

(paragrafias, p. 73).

 

 

as rimas não são segredos

escondidos no canto

é que a música

me altera das rimas

e cismo

como terremoto.

 

 

após o derrame

(inédito, 2021).

 

ergueu-se uns ramos, brotos e teias

entre as casas...

os armários de ambas

agora têm

a mistura das louças,

algumas lá

outras aqui.

também os varais,

as mesas

e o monte de roupas

se intercambiam

em dança extrema

e morosa

numa escala indefinida.

o sono tem três camas

as cozinhas, ativas

as portas trabalham

e a tarde é apressada.

visitas tímidas

(forçada simpatia),

remédios e cardápios

(em geral com batatinhas)...

alguém sempre faz faxina.

alguém sempre chora.

alguém sempre está com raiva.

por fim,

talvez seja a vida

já no entardecer

após veloz

hora mágica.


Imagem de Magic Creative por Pixabay.

 

sem plantio

(inédito, 2021).

 

 

um fato mister

de esclarecimentos:

 

o alecrim mouro

cultivado

por probos da terra

que temperava assados

deixou de nascer

em pleno verão.

 

o verde dourado

e o precípuo ramo.

 

um mistério dêitico?

castigo inconsútil?

investigação alheia?

 

janeiro

e a pergunta

nos viveiros

como sintoma

era uma:

 

o que aconteceu?

 

 

 

feriado de independência

(inédito, 2021).

 

espécie lânguida de cigarra e é noite

– diz que é chuva, mas não temporal.

Gilda late, incomodada por um gambá na cerca.

faz um mês que leio tal livro e devagar descubro que não é bom.

o latido incômodo me causa inveja:

deve ser a liberdade ter específica a preocupação...

 

não choveu,

em setembro começa o calor que tanto odeio,

a irritação nos olhos e uma coceira na pele...

(alguma alergia à primavera ainda não diagnosticada,

como tantas outras inutilidades minhas que também

não foram diagnosticadas... que palavra feia!)

 

listei preocupações

e possíveis coisas do diagnóstico,

no silêncio enquanto vó dormia aos roncos,

rosário na mão,

mas não inscreverei tais por aqui,

poema listado é outro tipo de poema

que não sei se sei fazer... ou se quero testar.

 

Gilda dorme na área de serviço

e pela tarde uma pia foi consertada.

vou jantar risoto e galinha assada,

não agora.

agora tenho uma tarefa a cumprir

(que não interessa a você por ser informação vazia

ou simplesmente porque já se está morto e a descoberta demora).

 

me fizeram antes uma pergunta e quis falar o seguinte:

– depois que desaprendi a diversão comecei a escrever.

contudo só baixei os olhos,

disse não saber e

logo mudei de assunto:

do qual não me recordo,

talvez a força insistente da luz branca ou enxaqueca.

 

lâmpada forte poderia estar na tal lista,

junto com calor, insetos, coceira, vozes invisíveis e automóveis com bandeira.

se a tudo isso adicionada também à espera pela morte,

tem-se um dia completo:

não porque cheio e aprazível,

apenas óbvio, no centro do tédio.

(completo portanto porque termina,

não porque enche, ou se ilumina,

ou qualquer variação de tais belezas).

 

sim, meu dia foi completo,

desconfio que o seu também tenha sido.

não quero lhe deixar triste

(tenho esse talento, mas não é a questão),

são apenas fatos, eu sei que hoje você está completo,

se quiser conversar a respeito é melhor pagar

pra alguém estudado que saiba dos detalhes

pra lhe ouvir

e rir de você depois

(talvez funcione, a esperança é a...)

 

por enquanto se vai roubando o tempo,

combate entre Hades e Perséfone, Fausto e Mephisto e outros palhaços,

formas de inseticida, fúria

e qualidades raras de humilhações

e ávidos desejos,

parágrafos escritos no esmo,

ciência política e mil desculpas às ofensas,

o terceiro ato,

um espelho de choro,

árias e outras coisas mais do século vinte e vinte e um,

a matar uma aranha nojenta na parede,

perto do travesseiro,

que explode um líquido amarelado e verde

(estranho ser também a cor do país, duas delas ao menos)

e mancha parte da madeira.

 

(pelo menos não fugiu,

morreu... como deveria).


Imagem de Magic Creative por Pixabay.



https://www.editorapatua.com.br/produto/181885/paragrafias-de-jansen-hinkel

 



Jansen Hinkel nasceu em 1989, na cidade de Capinzal, interior de Santa Catarina. Formou-se em Cinema e no ano de 2015 começou sua pós-graduação na cidade de São Paulo. Atualmente desenvolve sua pesquisa de doutorado em Comunicação Audiovisual sobre o cinema do Oriente Médio. É autor do livro de poemas "Paragrafias" (Patuá, 2020), e do romance “Se o tempo não fechar nós iremos ao cinema” (Penalux, 2021).



Comentários

  1. Caracas! Menino prodígio. Como é bom ler boa poesia, o dia se transforma em outro. Hoje, por exemplo, passarei o dia me sentindo uma vespa. Dessas que sabe que sozinhos seremos todos vencidos, mesmo quando.temos uma força medonha!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

PUBLICAÇÕES MAIS VISITADAS DA SEMANA

De vez em quando um conto - Os Casais - por Lia Sena

Mulher Feminista - 16 Poemas Improvisados - Autoras Diversas

200 palavras/2 minicontos - por Lota Moncada

Nordeste Maravilhoso - Viva as Mulheres Rendeiras!

Cinco poemas de Catita | "Minha árvore é baobá rainha da savana"

DUAS CRÔNICAS E CINCO POEMAS DE VIOLANTE SARAMAGO MATOS | dos livros "DE MEMÓRIAS NOS FAZEMOS " e "CONVERSAS DE FIM DE RUA"

A vendedora de balas - Conto

A POESIA PULSANTE DE LIANA TIMM | PROJETO 8M

Preta em Traje Branco | Cordel reconta: Antonieta de Barros de Joyce Dias

UM TRECHO DO LIVRO "NEM TÃO SOZINHOS ASSIM...", DE ANGELA CARNEIRO | Projeto 8M