A POESIA DE MAYA FALKS | Projeto 8M

(fotografia do arquivo pessoal da autora)


8M

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)

Hoje é dia de navegar na POESIA sempre impactante da incrível escritora MAYA FALKS

1)

SUSPIRO 

O silêncio marcava o compasso da dor

Nos passos errantes, no traço inconstante, o olhar de terror

Fumaça de pólvora nova no cano da arma

Dois passos, joelho na terra, venceu o seu carma

Os olhos vidrados no céu, pedindo perdão

Num campo cercado de corpo, encontrou em si mesmo a pior solidão 

Guerreiro,  sem trunfo ou medalha, caído no chão

Preso, em meio à batalha, não foi campeão. 

Na garganta, a secura da alma prendeu seu último suspiro.

(* poema do livro 'Poemas para ler no front')

-*-*-*-

(capa do livro 'Poemas para ler no front')

2)

MATRACA 

Vasto o tempo, linha dura

Corre em ciclos, ditadura

O grito de liberdade

Fica preso na garganta

Ódio por vaidade

Argumento algum adianta

Nada à vista, planta a dor 

Pele ardida, toca o terror

Aperta o passo, fecha a porta

Não há conversa com quem não se importa

Fato secreto, segredo de estado

Fecha a matraca, bico calado

Deixe que os gritos voltem a ecoar pelas paredes.

(* poema do livro 'Poemas para ler no front')

-*-*-*-

3)

DA  FORMA 

A tempestade que quebra o silêncio vem da forma e da força

da cor da manhã

A pele enrugada revela segredos de fome e de frio

como a flor do romã

Confusa, sua mente, que mente, que isola

que prende sem dó

A tempestade que força, que firme extravasa

não resta o amanhã.

(* poema do livro 'Poemas para ler no front')

 -*-*-*-

4)

TRAPOS

Das vestes surradas, se escapam os olhares de súplica

A dor estampada nos olhos enquanto o frio engole a alma

Perdido, num canto cercado de nada por todos os lados

Seus olhos encontram repúdio nos rostos que permanecem calados

Nada, um nada de nada que sobra nas pedras da cidade concretada

Um corpo inerte na rua que vagueia invisível feito alma penada

Arrasta nos pés da miséria, sua alma paupérrima transita dilacerada

Na lata suja do tempo vai contando os trocados pra fila do pão

O cabelo mal aparado, todo desgrenhado, passou a noite no chão

O corpo de restos de restos, de lixo do lixo, não encontra perdão

Dormiu sob a marquise da loja e o vento forte levou seu papelão

A noite que chega manchada das luzes nas ruas e na alma a escuridão

Acorda em meio à fumaça, seu corpo em chamas procura a redenção

Enfim, o resto do resto foi visto perdido no frio da calçada

Queimando, sob risos estranhos, bate no corpo, esforço em vão

Desaba, já sem dor e sem vida, naquele segundo findou sua estrada

O riso que antes se ouvia agora se convertia em mero descaso

Azar de tal vagabundo, perdido e imundo, vestido de trapos

Agora o homem queimado, sem futuro ou passado, ou história possível

Voltava ao seu posto de resto, de nada com nada, um homem invisível.

(* poema publicado em 'Germina Revista de Literatura & Arte')

-*-*-*-

(capa do livro 'Versos e outras insanidades')

5)

FILHA DA MISÉRIA 

Eram quatro quartos montados com o improviso da miséria

Separados por panos em farrapos de onde era possível ouvir o grito agoniante daqueles estômagos vazios

Eram quatro espaços diminutos onde a mãe contava histórias

Eram frestas nas paredes de retalhos que ao frio provocavam arrepios

Pés descalços, em feridas das pedras pontiagudas da vila

Pelo leite e pelo pão, as mulheres murchas envelhecidas faziam fila

Era pouco, quase nada, em lágrimas densas saía a mãe da mesa

Engolia o luto da vida perdida, do filho consumido de fome e pobreza

Havia o pó que subia sem dó quando passavam os carros dos poderosos

Era caminho das belas mansões que ao longe faziam silhueta

Nos vales com montanhas verdes e picos rochosos

Enquanto do lado de cá criança faminta marcava a sarjeta

Já nem cantava aos filhos canções de ninar

O sono só vinha quando o corpo faminto desabava de tanto chorar

Não quis o destino dar-lhe esperança

Encheu-lhe o ventre e a casa de rebentos sem instrução

Sofria com a expressão do desespero no rosto cansado de cada criança

A cada doença da água estragada e comida faltosa feria-lhe o coração

Diziam-lhe que era escolha sua porque se quisesse nenhum filho faria

O olhar de desprezo de quem desconhece a vida que leva, sem nem compaixão

Escrevia duas letras, se muito, nem mesmo seu nome de fato sabia

E dela esperavam cuidados que nunca quem julga foi capaz de ensinar

Mas é bem mais fácil na vida apontar o dedo e poder condenar

Ela, que só tinha coragem de catar nas lixeiras o que os ricos deixavam pra trás

Ela, que tinha seis bocas vazias em casa para alimentar

Os outros sucumbiram à fome, à dor e a miséria que nunca os abandonou

Ao contrário do pai das crianças que um dia partiu e nem se importou

Era ela contando com a sorte, testemunhando a morte que insistia em voltar

Sozinha no meio do nada, a vida acabada a sempre lembrar

Que assim o destino quisera, sem choro nem vela, amaldiçoar

Cada filho dessa vida ingrata, sob a miséria morrer e matar

Tiravam as chances da vida, por um pão aceitava qualquer humilhação

Menino criado como bicho sarnento e ainda cobravam ser bom cidadão

Nas vielas da vida, sem eira nem beira, ia ela implorar

Um prato vazio de comida sobre a mesa quebrada da casa que ia se esvaziar

Dos filhos, famintos, sem chance, os que viveriam iriam roubar

Ela, fraca e sem brilho, da vida maldita que Deus lhe deu

Abraçou o diabo com força, pedindo à benção de quem já morreu

Os panos que separavam os quartos testemunhariam sua depressão

Seu corpo entregue aos homens com bom dinheiro e sem coração

 Debaixo de corpos pesados, suspiros molhados, chorava de dor

Ninguém se importava com ela, não havia na vida conhecido o amor

Jovem em corpo de velha, as marcas da fome eram tal cicatriz

Olhava pra trás na sua história e sabia que nunca tinha sido feliz

Agora, com filhos bandidos, ou mortos, perdidos, se viu sem razão

Da miséria guardada no bolso, a faca em ferrugem encontrou o coração

Morreu sem dentes na boca, barriga vazia e uma história sem cor

Morreu chorando baixinho, no seu cantinho, sem pedra bonita ou coroa de flor.

(* poema do livro 'Versos e outras insanidades')

-*-*-*-
8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas' iniciado em março/2021, por Nic Cardeal. 

                     (fotografia do arquivo pessoal da autora)

MAYA FALKS (Márcia Bastian Falkenbach) é natural de Caxias do Sul/RS, onde reside. É poeta, romancista e cronista. Graduada em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, bacharel em Jornalismo, especialista em Marketing de Serviços e graduanda em Letras. Mantém o 'Escritório Literário', no qual oferece serviços de leitura crítica, release, oficinas de escrita criativa e mentoria literária. É curadora do blog 'Bibliofilia Cotidiana', onde escreve resenhas de livros, divulga textos avulsos, reportagens e matérias com fins literários e conteúdos relacionados ao tema. Portanto, Maya é múltipla na tecitura da palavra! 

Maya escreve desde criança, é vencedora de diversos prêmios literários, e já publicou os seguintes livros: Depois de tudo (romance, Autografia/2015, seu livro de estreia); Versos e outras insanidades (poesia, Macabéa/2017); Histórias de minha morte (romance, Quatrilho Editorial, 2017); Poemas para ler no front (poesia, Patuá/2019);  Voltando pra casa (contos, e-book Kindle/2019); Santuário (romance/contos, Macabéa/2020); Eu também nasci sem asas (poema longo, Telucazu Edições/2020); e Pedaços que vejo no espelho (poesia, Folheando, 2021).





Comentários

  1. A poesia de Maya Falks é nocaute na certa! Obrigada, Nic por nos manter antenadas e visíveis nesse turbilhão que nos tornam foram do eixo.

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