A POESIA DE MAYA FALKS | Projeto 8M
(fotografia do arquivo pessoal da autora)
Hoje é dia de navegar na POESIA sempre impactante da incrível escritora MAYA FALKS!
1)
SUSPIRO
O silêncio marcava o compasso da dor
Nos passos errantes, no traço inconstante, o olhar de terror
Fumaça de pólvora nova no cano da arma
Dois passos, joelho na terra, venceu o seu carma
Os olhos vidrados no céu, pedindo perdão
Num campo cercado de corpo, encontrou em si mesmo a pior solidão
Guerreiro, sem trunfo ou medalha, caído no chão
Preso, em meio à batalha, não foi campeão.
Na garganta, a secura da alma prendeu seu último suspiro.
(* poema do livro 'Poemas para ler no front')
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2)
MATRACA
Vasto o tempo, linha dura
Corre em ciclos, ditadura
O grito de liberdade
Fica preso na garganta
Ódio por vaidade
Argumento algum adianta
Nada à vista, planta a dor
Pele ardida, toca o terror
Aperta o passo, fecha a porta
Não há conversa com quem não se importa
Fato secreto, segredo de estado
Fecha a matraca, bico calado
Deixe que os gritos voltem a ecoar pelas paredes.
(* poema do livro 'Poemas para ler no front')
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3)
DA FORMA
A tempestade que quebra o silêncio vem da forma e da força
da cor da manhã
A pele enrugada revela segredos de fome e de frio
como a flor do romã
Confusa, sua mente, que mente, que isola
que prende sem dó
A tempestade que força, que firme extravasa
não resta o amanhã.
(* poema do livro 'Poemas para ler no front')
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4)
TRAPOS
Das vestes surradas, se escapam os olhares de súplica
A dor estampada nos olhos enquanto o frio engole a alma
Perdido, num canto cercado de nada por todos os lados
Seus olhos encontram repúdio nos rostos que permanecem calados
Nada, um nada de nada que sobra nas pedras da cidade concretada
Um corpo inerte na rua que vagueia invisível feito alma penada
Arrasta nos pés da miséria, sua alma paupérrima transita dilacerada
Na lata suja do tempo vai contando os trocados pra fila do pão
O cabelo mal aparado, todo desgrenhado, passou a noite no chão
O corpo de restos de restos, de lixo do lixo, não encontra perdão
Dormiu sob a marquise da loja e o vento forte levou seu papelão
A noite que chega manchada das luzes nas ruas e na alma a escuridão
Acorda em meio à fumaça, seu corpo em chamas procura a redenção
Enfim, o resto do resto foi visto perdido no frio da calçada
Queimando, sob risos estranhos, bate no corpo, esforço em vão
Desaba, já sem dor e sem vida, naquele segundo findou sua estrada
O riso que antes se ouvia agora se convertia em mero descaso
Azar de tal vagabundo, perdido e imundo, vestido de trapos
Agora o homem queimado, sem futuro ou passado, ou história possível
Voltava ao seu posto de resto, de nada com nada, um homem invisível.
(* poema publicado em 'Germina Revista de Literatura & Arte')
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FILHA DA MISÉRIA
Eram quatro quartos montados com o improviso da miséria
Separados por panos em farrapos de onde era possível ouvir o grito agoniante daqueles estômagos vazios
Eram quatro espaços diminutos onde a mãe contava histórias
Eram frestas nas paredes de retalhos que ao frio provocavam arrepios
Pés descalços, em feridas das pedras pontiagudas da vila
Pelo leite e pelo pão, as mulheres murchas envelhecidas faziam fila
Era pouco, quase nada, em lágrimas densas saía a mãe da mesa
Engolia o luto da vida perdida, do filho consumido de fome e pobreza
Havia o pó que subia sem dó quando passavam os carros dos poderosos
Era caminho das belas mansões que ao longe faziam silhueta
Nos vales com montanhas verdes e picos rochosos
Enquanto do lado de cá criança faminta marcava a sarjeta
Já nem cantava aos filhos canções de ninar
O sono só vinha quando o corpo faminto desabava de tanto chorar
Não quis o destino dar-lhe esperança
Encheu-lhe o ventre e a casa de rebentos sem instrução
Sofria com a expressão do desespero no rosto cansado de cada criança
A cada doença da água estragada e comida faltosa feria-lhe o coração
Diziam-lhe que era escolha sua porque se quisesse nenhum filho faria
O olhar de desprezo de quem desconhece a vida que leva, sem nem compaixão
Escrevia duas letras, se muito, nem mesmo seu nome de fato sabia
E dela esperavam cuidados que nunca quem julga foi capaz de ensinar
Mas é bem mais fácil na vida apontar o dedo e poder condenar
Ela, que só tinha coragem de catar nas lixeiras o que os ricos deixavam pra trás
Ela, que tinha seis bocas vazias em casa para alimentar
Os outros sucumbiram à fome, à dor e a miséria que nunca os abandonou
Ao contrário do pai das crianças que um dia partiu e nem se importou
Era ela contando com a sorte, testemunhando a morte que insistia em voltar
Sozinha no meio do nada, a vida acabada a sempre lembrar
Que assim o destino quisera, sem choro nem vela, amaldiçoar
Cada filho dessa vida ingrata, sob a miséria morrer e matar
Tiravam as chances da vida, por um pão aceitava qualquer humilhação
Menino criado como bicho sarnento e ainda cobravam ser bom cidadão
Nas vielas da vida, sem eira nem beira, ia ela implorar
Um prato vazio de comida sobre a mesa quebrada da casa que ia se esvaziar
Dos filhos, famintos, sem chance, os que viveriam iriam roubar
Ela, fraca e sem brilho, da vida maldita que Deus lhe deu
Abraçou o diabo com força, pedindo à benção de quem já morreu
Os panos que separavam os quartos testemunhariam sua depressão
Seu corpo entregue aos homens com bom dinheiro e sem coração
Debaixo de corpos pesados, suspiros molhados, chorava de dor
Ninguém se importava com ela, não havia na vida conhecido o amor
Jovem em corpo de velha, as marcas da fome eram tal cicatriz
Olhava pra trás na sua história e sabia que nunca tinha sido feliz
Agora, com filhos bandidos, ou mortos, perdidos, se viu sem razão
Da miséria guardada no bolso, a faca em ferrugem encontrou o coração
Morreu sem dentes na boca, barriga vazia e uma história sem cor
Morreu chorando baixinho, no seu cantinho, sem pedra bonita ou coroa de flor.
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MAYA FALKS (Márcia Bastian Falkenbach) é natural de Caxias do Sul/RS, onde reside. É poeta, romancista e cronista. Graduada em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, bacharel em Jornalismo, especialista em Marketing de Serviços e graduanda em Letras. Mantém o 'Escritório Literário', no qual oferece serviços de leitura crítica, release, oficinas de escrita criativa e mentoria literária. É curadora do blog 'Bibliofilia Cotidiana', onde escreve resenhas de livros, divulga textos avulsos, reportagens e matérias com fins literários e conteúdos relacionados ao tema. Portanto, Maya é múltipla na tecitura da palavra!
Maya escreve desde criança, é vencedora de diversos prêmios literários, e já publicou os seguintes livros: Depois de tudo (romance, Autografia/2015, seu livro de estreia); Versos e outras insanidades (poesia, Macabéa/2017); Histórias de minha morte (romance, Quatrilho Editorial, 2017); Poemas para ler no front (poesia, Patuá/2019); Voltando pra casa (contos, e-book Kindle/2019); Santuário (romance/contos, Macabéa/2020); Eu também nasci sem asas (poema longo, Telucazu Edições/2020); e Pedaços que vejo no espelho (poesia, Folheando, 2021).
A poesia de Maya Falks é nocaute na certa! Obrigada, Nic por nos manter antenadas e visíveis nesse turbilhão que nos tornam foram do eixo.
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