A POESIA DE ROSANA CHRISPIM | Projeto 8M

(fotografia do arquivo pessoal da autora)

8M

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)

Hoje é dia de mergulhar na incrível e intensa poesia de ROSANA CHRISPIM:


(capa do livro 'Entretempo')

1)

NAU

confia ainda
que há portos
nas cartas dessa ímpar navegação

céu mar embarcação
desfavoráveis
mas há portos

prontos
a receber as passageiras amarras
para restauro do casco
cuidado da máquina
retomada do leme

ao navegador
(in)certeza e travessia

aos portos
o quinhão da espera.

(* poema do livro 'Entretempo')

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2)

SOBRE VOO

eles que já não 
tinham asas
quando nasciam as minhas
aparavam
para que ao usá-las mantivesse
os pés no chão 

entendi o ar
e o caminho
por esse axioma

assim
que sendo ave nunca
fui pássaro.

(* poema do livro 'Caderno de intermitências')

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3)

FRAGILIDADE 

tão frágeis as
certezas
                navio naufragado no porto
                corda partida no nó
                palavra ancorada em símbolos 
não mais
       (de)moventes

tão débeis as
razões 
         movediças à luz
         da luz que se acende
                expiadas no pano de fundo
                das horas
                (a)fundadas em águas 
         defenestradas
não menos

mediatrizes inúteis.

(* poema do livro 'Caderno de intermitências')

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(capa do livro 'Caderno de intermitências')

4)

PALIATIVO

novas portas de
bares
farmácias
igrejas 
        (variações sobre o mesmo equívoco)
abrem-se em profusão 
            os homens com suas feridas
            os males com suas metástases
todos muitos e nenhum

almas cada vez mais rasas
e degradação cumprida
a risco(a).

(* poema do livro 'Caderno de intermitências')

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5)

ELOQUÊNCIA 

o silêncio fala
às vezes
fala demais 
e até fala
o indizível 
o que não há
o que não deve

o silêncio por vezes cala.

(* poema do livro 'Caderno de intermitências')

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(capa da 'Antologia de Poesias Mulherio das Letras')

6)

CHARCO

sobre mares de lama
poucos
escolhidos logram
andar

deuses criados à
imagem e dessemelhança

nenhum espelho pode
mostrar-lhes
a índole  face  gana

nenhuma água é capaz 
de lavar-lhes o rosto
as mãos 

(* poema publicado na 'Antologia de Poesias Mulherio das Letras')

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7)

PARA NÃO DIZER 
QUE FALEI DE FLORES 

há vida aqui

a um metro da tragédia
a um passo do abismo
a um palmo do absurdo

sob os versos amarrados
nos lábios em repouso
e olhar demorado

além da sístole-diástole
das aparências
das (in)diferenças

depois dos anos
dos ventos
achaques e quebrantos

apesar das notícias
dos flagelos e do asco

acima e a despeito
da revolta
do imponderável
da turra

pulsa
mansa quase
oculta
sob o couro arrugado
no insulamento
sobre as velas infladas do barco
                                      no estaleiro

há vida aqui
e ela exige.

(* poema inédito, publicado no jornal 'Tribuna Metalúrgica' - smabc.org.br - Poesia do ABC/19 de fevereiro/2021)

-*-*-*-
8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas' iniciado em março/2021, por Nic Cardeal. 



(fotografia do arquivo pessoal da autora)


ROSANA CHRISPIM é natural de Carandaí/MG, e vive atualmente em São Paulo/SP. Formada em Jornalismo, trabalhou por quase 30 anos como Produtora Gráfica. 

Fez parte do 'Grupo Livrespaço de Poesia', de Santo André/SP e, com os demais integrantes, publicou as seguintes coletâneas: Coletânea Livrespaço II (1984); Literatuando - Coletânea Livrespaço III (1985); Subvertida Palavra - Coletânea Livrespaço IV (1988); e Sete Versus Sete (E se resolvermos falar de amor...) - Coletânea Livrespaço V (1990).

Foi uma das editoras da 'Revista Livrespaço' (1992-1993), que ganhou o Prêmio APCA como melhor realização cultural de 1993. É integrante do movimento 'Mulherio das Letras' desde a sua criação, em 2017, e participou da Antologia de Poesias Mulherio das Letras (org. Vanessa Ratton, São Paulo/SP: Costelas Felinas, 2017).

Livros publicados: Semelhanças (São Paulo/SP: Scortecci, 1986); Poética da Essência (plaquete, 1996); Entretempo (Santo André/SP: Alpharrabio Edições/2003); Caderno de intermitências (São Paulo/SP: Patuá, 2017); e Contracena (plaquete, 2017).



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