De Prosa & Arte | O caos como inspiração
"O vento que venta lá venta cá..." Ataulfo
Alves
É certo que nos meus deságues rotineiros, nas chuvas de letrinhas dos meus devaneios literários, tem um bom punhado de dissonâncias e mazelas que vivencio rotineiramente.
Ouvi dizer,
durante a devolutiva da equipe editorial no evento da publicação do meu
primeiro livro, que meus escritos denunciavam meu caos interno.
Achei lírica e
poética essa observação. Nunca tinha compreendido meus versos dessa maneira. Então,
decidi encarar de frente meu caos interior. É dele que ecoam os pensamentos, é
do caos que emerge minha veia literária.
Digo isso,
porque esse caótico movimento sempre foi deflorado pelos amores desfeitos, a
animosidades entre pessoas de convívio e é dessa vivência que brotam minhas
reflexões e catarses. É dali que surge o espantoso ato de escrever.
Não sei se por
efeito da pandemia, ou se por efeito de um desenlace complexo e dolorido, sofri
um bloqueio literário e produtivo. Me assustei com a possibilidade de não mais
acessar o manancial de palavras caudalosas da minha nascente de versos.
Porém, não me
impeli culpa, nem mesmo me fiz cobranças quanto a colocar em ordem meus textos,
minhas receitas, meus cacos de recordações, apenas me dei o tempo da espera
silenciosa de uma escritora em crise recorrente. Não foi a primeira vez,
certamente não será a última.
Eu escrevo
amores carentes, desfeitos, amores que doem, que sangram. Eu escrevo o caos das
relações mal vividas.
Venho refletindo
se não as vivenciei à margem, de forma tóxica, para criar elementos criativos
da minha escrita dramática. Sou afeita ao drama, à fatalidade, aos pesares. Não
sei se tem a ver com o aterramento Capricorniano, ou aos elementos fogo do meu
ascendente em Sagitário, também estou habituada a denunciar os Astros pelos
malfeitos que me causo. Gosto de tirar isso da reta de minha teimosia.
Nesse momento
da vida, quando eu desacreditava da possibilidade de me afetar, estou
vivenciando o Amor, de uma maneira que tem me surpreendido. Eu que já
desconhecia a possibilidade de entrega, estou imersa numa relação de
autocuidado, e por isso também, de cuidado com o outro. Estou aprendendo que o
que dou, me é devolvido proporcionalmente. Daí, entendo que a distância que
encontrei nos amores dolorosos, eram reflexo do meu jeito torto de amar, da
falta de diálogo e do excesso de cobranças. Eu desejava, que o outro entregasse
o amor a meu modo e não da forma como poderíamos mediar juntos em construção.
Confesso, que
me assusta em demasia, não mais ter o caos como única inspiração, afinal eu já
sabia como lidar muito bem com ele. Agora, também escrevo responsabilidade
afetiva e tranquilidade. Sinto uma necessidade de me acautelar da ansiedade e
da ira.
Venho desbloqueando
padrões de funcionamento viciosos e por isso, o caos vai se espaçando nos meus
escritos. Isso não significa que deixei de olhar para ele com admiração, mas
ampliei as janelas da mente para outros recantos pacificadores.
Estou me permitindo
devolver ao corpo, a mente e ao coração um lugar de prestígio que ele sempre
ansiou e mereceu. Nada menos que isso me basta hoje. Agora, posso sentir aquela
saudade boa, o prazer de vir acompanhada de sonhos conjuntos, posso me deliciar
em redescobrir a libido, o afeto, o toque e o cheiro bom que o Amor saudável
produz.
Tenho
despertado de madrugada recitando versos delicados, dedicados a quem me quer
bem e na mesma proporção do meu desejo. Eu não tenho mais medo de despir corpo
e alma, já não me sinto invadida e exposta. E isso é reconfortante e novo na
minha vida.
Eu carreguei
por décadas o caos, a dúvida, o medo, acreditando que somente eles me ditavam
versos inteiros... Vivi a la Augusto
dos Anjos, desenvolvendo uma forma densa de existir.
Eu louvo o
caos, eu o admiro, eu o acolho e o aceito. Mas não vou lhe dar lugar veterano
em todas as minhas ações e feitos.
Quero serenar.
Todo coração merece paz para celebrar, clareza para amar sem reservas,
ordenação para acreditar e disposição para tudo devolver.
Eu não nego o
Caos, ele ainda me serve às vezes, no fundo do baú do porão fétido das minhas
amarguras acumuladas. Se ele é inspiração, que nunca me falte. Mas que seja
generoso com outras fontes de iluminação para meus versos e outras importâncias.
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