JAQUELINE CONTE EM PROSA E VERSO | Projeto 8M




fotografia do arquivo pessoal da autora 

8M

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)


Viaje nas delícias literárias - em prosa ou poesia - da incrível escritora JAQUELINE CONTE:

1) 

PASSARINHO ÀS OITO E POUCO

(...) - Faz uns dez dias. Numa manhã como esta, um passarinho azul apareceu do nada aqui em casa.

Ele tentava entrar na sala da frente e dava de cara no vidro da janela. Batia, voltava um pouco, sentava-se na tela de proteção pra pegar fôlego e voltava a se jogar contra a vidraça. Uma, duas, três... dez vezes. Depois desistiu e foi embora.

- Tadinho! E o que você fez enquanto ele se batia, mamãe?

- Fotografei.

- Só isso?

- Não. Também fiz um poema.

- Que poema? - indagou o moleque, sempre interessado nas histórias que a mãe contava.

E a mãe falou o poeminha de cinco versos:

Passarinho azul
Kamikaze
Quer entrar a qualquer custo
Não,  passarinho! - assusto
Vidro não é infinito

- Gostou?

- Gostei. Mas por que kamikaze, mamãe? Você acha que o passarinho quer mesmo se machucar?

- Não, filho. É só uma maneira de dizer que ele estava... vamos dizer... "dirigindo perigosamente " - riu a mãe. 

- Ele podia ter se machucado no vidro.

- Isso mesmo.

- Tá. Mas isso ainda não explica o sorrisinho perdido que você tinha quando eu cheguei. (...)"

(* excerto do livro Passarinho às oito e pouco, págs. 9/11)

capa do livro Passarinho às oito e pouco

-*-*-*-

2)

OS JORNAIS DE GERALDINE 

O CADERNINHO AZUL

Todo início de tarde era assim: depois de voltar da escola e almoçar, Geraldine corria para o antigo cesto de vime onde ficava o jornal do dia. Com o calhamaço de papel no colo, já suficientemente bagunçado pela leitura matutina feita pelo pai, ela manuseava com agilidade as grandes páginas, sempre em busca da mesma seção, o Obituário.

Lá, onde aparece a lista das pessoas da cidade que morreram no dia anterior, a menina procurava os nomes mais interessantes e os anotava com letra bem redondinha em um caderninho azul turquesa,  sem linhas.

Todo mundo achava estranho o hábito da menina. 

- Credo, Ivonete, a Geraldine está obcecada por esses nomes! Eu falo pro pai dela que ele tem que pedir pra mudar de setor na Prefeitura. Essa história de ser administrador de cemitério não está fazendo bem pra cabeça da menina - dizia tia Júlia à moça que cuidava da casa e de Geraldine, durante a tarde.

- É, dona Júlia, depois que o seu Arnaldo contou pra ela que os nomes de quem ia parar no cemitério eram publicados no jornal, ela não para mais com esse rasga-rasga-folha. Todo dia, arranca página daquele jornal e escreve um montão de nomes naquele caderninho. Valha-me, Deus, que não sei mais o que fazer! - reclamava Ivonete.

Mas Geraldine não se importava com o que pensavam. Seguia sua pesquisa diária, colecionando folhas de jornal e anotando os nomes que lhe despertavam maior curiosidade; nomes que, a partir de então, pertenceriam a ela e a seu inseparável caderninho azul.

Naquela semana, já havia reunido mais de uma dezena de nomes. Seis deles, Gleusa, Ataxerxes, Rízia, Preciosa, Írio e Ambrosia, anotou só na segunda-feira  - ela não sabia por quê, mas ouviu seu pai dizer que o obituário era mesmo mais recheado às segundas. Na terça,  escolheu Uzulita, Elizama e Adalgiso. Na quarta, ficou maravilhada em encontrar Normando e registrou-o rapidamente no caderninho, logo abaixo de Eudóxia e Ananias. E assim ia Geraldine, no seu turismo de nomes. (...)"

(* excerto do livro Os jornais de Geraldine, págs. 7/10)


capa do livro Os jornais de Geraldine 

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3)

BEM DITA

Tudo já foi dito
A única coisa que posso fazer
é dizer diferente 
Bendita palavra nossa de cada dia.

(* poema extraído de sua página no Facebook, 01.12.2020)

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poema/ilustração do acervo pessoal da autora 

4)

O poeta é um louco
Que não te deixa enlouquecer 
O poeta é um louco 
Que não te deixa esquecer 
O poeta se finge de louco
Pra você não perceber

(* poema extraído de sua página no Facebook, 29.01.2021)

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poema/ilustração do acervo pessoal da autora 

5)

ATERRA!

A terra é femme, menino!
É preciso respeitar as fêmeas 
Respeitar a fêmea 
Como um menino 
Que se nutre dela ao nascer
Que a respeita e admira quando 
criança 
Que a deseja e precisa quando 
encontra o primeiro amor

Cadê aquele menino 
Que sempre a viu como se dela
fizesse parte
Como se nunca tivesse havido
separação?

Onde está seu yin,
Velho menino?

Volte pra terra
Nós te chamamos!
Te esperamos de braços abertos
Como a mãe que não rejeita um filho ausente
Como a amante sempre quente
Como quem não aceita menos do que
aquele inato respeito

(* poema extraído de sua página no Facebook, 07.03.2021)

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poema/ilustração do acervo pessoal da autora 


6)

PLANETÁRIO

A menina descobriu
Que as estrelas mais quentes são azuis
E as mais frias, vermelhas
Que os antigos tinham mais imaginação 
A Ursa Maior tem bico e tem cauda
A Menor parece um papagaio
A menina descobriu
Que é pequena, pequena 
Mas pode viajar pelo céu 
Na companhia da Lua Cheia! 

(* poema extraído de sua página no Facebook, 19.03.2022)

fotografia por Nic Cardeal 

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8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas' iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.


fotografia do arquivo pessoal da autora 

JAQUELINE CONTE é natural de Maringá/PR, e reside em Coimbra/Portugal, desde dezembro de 2020. É jornalista, poeta, pesquisadora e escritora de literatura infantil e juvenil. É mestra em 'Estudos de Linguagens' pela UTFPR; especialista em 'Economia Criativa e Colaborativa', em 'Produção e Gestão Editorial Multiplataforma', em 'Marketing e Publicidade', e em 'Fotografia – Discurso Fotográfico'. Atualmente é doutoranda em 'Materialidades da Literatura' pela Universidade de Coimbra. Como jornalista, tem 20 anos de atuação em mídia impressa, agências de comunicação e comunicação pública. É integrante do núcleo gestor do coletivo de autores 'Era uma vez', que atua na formação de leitores e na disseminação da literatura infantil e juvenil produzida em Curitiba/PR. É professora das disciplinas 'Economia Criativa do Livro' e 'Livro, Materialidades e Mercado', no Instituto Dom Miguel, em Curitiba/PR. 

Livros publicados: Na casa amarela do vovô, Joaninja come jujubas (infantojuvenil, poemas, Curitiba/PR: Mercado Livros/2016); Passarinho às oito e pouco (infantojuvenil, Curitiba/PR: Insight/2019); Os jornais de Geraldine (infantojuvenil, Curitiba/PR: Arte & Letra/2019); Céu a pini (poesia adulta, Patuá); e Na casa amarela do vovô e outros poemas para brincar (infantojuvenil, poemas, Porto/Portugal: Trinta Por Uma Linha, 2022). Também é uma das autoras do livro de ensaios Conversaiando com mulheres das Letras, ensaios escritos por mulheres sobre outras 14 mulheres importantes na história da educação e da literatura no Brasil: Jane Austen, Virginia Woolf, Cecília Meireles, Oneyda Alvarenga, Maria Beatriz Nascimento, Maria Antonieta Alba Celani, Harper Lee, Leda Bisol, Leonor Scliar-Cabral, Lygia Bojunga, Adélia Prado, Bonnie Bremser, Maria Valéria Rezende  e Conceição Evaristo. Nele, Jaqueline escreve sobre Adélia Prado (org. Rosangela Marquezi, Letícia Lemos Gritti e Daiana Pasquim, Belo Horizonte/MG: Páginas Editora/2020).




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