Pés Descalços 08 | EVOLUÇÃO
EVOLUÇÃO
Nas férias de
julho eu e o meu filho Norberto vamos à Escócia, onde mora uma das minhas
filhas. Ele, que está fluente em inglês, vai ser meu tradutor! É por isso que a
viagem está sendo possível. Eu também fazendo
umas aulas no aplicativo Duolingo, e Norberto é meu
orientador. Isso me fez lembrar da infância.
Quando criança, meu sonho era ser
logo alfabetizada. Sabia das
vantagens que isso me traria. Uma delas era poder conhecer lugares novos, como
o centro da cidade. Na época nem imaginava que a Cuiabá chegaria a esse
tamanho. Cidade verde, escutava à época.
Mamãe, analfabeta,
precisava pegar ônibus para ir ao centro resolver alguma documentação, questão de saúde, ou
até mesmo buscar alimentos para a família, doações de algumas instituições de caridade. Sou a terceira
dos nove filhos que meus pais tiveram. Ela sempre pedia aos dois primeiros dos
filhos para irem com ela ao centro, um por vez, em ordem decrescente. Era certo
que eu seria o próximo da fila. Fiquei na expectativa do advir. No entanto,
minha mãe considerava um detalhe muito importante: era preciso saber ler a
legenda do ônibus que ia para o centro e, mais importante, saber pegar a
condução de volta, sem engano.
Morávamos no coração do bairro Pedregal, rua principal. O ônibus passava em frente à minha casa, distante da qual estava o ponto final em menos de uma quadra. Veículo implacável, uma baleia faminta descia a rua e fazia tremer o chão. Chegou a hora de encará-la. Mamãe me levou à frente da danada e pediu que lesse a legenda. Saber a letra “P” era sagrado, a “e” também, para se formar a sílaba “Pe”. Saber a letra “l” era importante por ser o final da palavra. Além disso, o numero “240” reforçava a condução a pegar. Mamãe precisava de uma pessoa alfabatizada para garantir se passaríamos no teste. O sucesso ao retornar ao lar dependia de uns dos filhos, a criança. Os adultos diziam: "Mulher que veio do mato!".
A tensão diante
da prova era grande, mas a vontade de ir para o centro era maior. Um erro na
prova e estava fora, da partida. Sabia disso pelas histórias que as
crianças maiores contavam. Era preciso tomar o máximo de cuidado ao pegar o ônibus
de volta. Planalto também tem a letra “P" e “l”. Então, se confundíssemos com a
condução que ia para o bairro Planalto, estávamos liquidados. Elas diziam “se errar de ônibus, irá parar no Japão. Há duas
possibilidades de se chegar ao Japão: o primeiro, cavando o chão, bem ao fundo;
o segundo, errando de ônibus!”
Passei na
primeira prova, reconhecimento das letras e dos números. Meu irmão mais velho
disse “presta muita atenção, sem vacilo, eu nunca errei, e você também não pode errar!”. Fomos, dei atenção à ida, às paisagens
e até ao destino. A volta, para mim, era a segunda prova.
Olhar os detalhes por onde o ônibus
passava, a
danada: passou ao lado do Morro da Luz; logo se avistavam as bandeirolas que
ficaram depois da festa do Santo penduradas ao redor da Igreja do Rosário; o
Verdurão, a churrascaria Majestique; bem depois,
a escola João Briene. Mas eu me senti
segura mesmo quando passou ao lado do supermercado Pegue/Pague e, em seguida, do campo de
futebol do Pedregal, o nosso bairro. O troféu, o sorriso dos que ficaram em
casa e o passeio ao centro da cidade.
Escutei histórias dos meus avós
que ajudaram os meus bisavôs quando vieram de mato grande, uns, das
etnias indígenas. Os meus pais que ajudaram os meus avós, que vieram de um
mato, mas não tão grande quanto
dos meus bisavôs. Conto histórias para os meus filhos de quando
ajudei meus pais, que vieram de um mato pequeno comparado ao dos meus avôs.
Meus filhos contarão histórias para os meus netos, da avó de cidade que foi verde, era
de um mato... Evolução do progresso!?...
Adorei este espaço. Parabéns para as idealizadoras.👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼
ResponderExcluirMuito bom .....nem evolução nem progresso....amadurecimento rsrsrs
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