A POESIA SURPREENDENTE DE MICHELINY VERUNSCHK | Projeto 8M
8M
Mulheres não apenas em março.
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão,
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)
Hoje é dia da espetacular poesia de MICHELINY VERUNSCHK:
Varrer o dia de ontem
que ainda resta pela sala,
o dia que persiste,
quase invisível
pelo chão,
nos objetos
sobre os móveis da sala.
Varrer amanhã
o pó de hoje.
Varrer,
varrer hoje.
(E domingo quebrar nos dentes
o copo
e sua água de vidro.
Segunda, não esquecer:
varrer todos os vestígios.)
(* poema extraído de poesia.net - n. 186, 25/10/2006)
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imagem do Pinterest
a palavra amor
comporta todo esse desastre
todo esse choro e desencontro
todas as guerras pelo nome
Helena
ou Fatma
ou Maria
ou César
ou Miguel
etc etc ao infinito?
a palavra amor
comporta todas as tecnologias
para um abraço
o avião o trem
a velha carroça encostada nos fundos da casa
e essas cartas
essas músicas
essas joias e penduricalhos?
a palavra amor
comporta todo os filmes
do cinema americano
as balas zunindo de ciúmes e desengano?
a palavra amor comporta
todos os verbos
e esses versos mal escritos
que envergonhariam os primeiros
habitantes das cavernas?
a palavra amor comporta
tanto bicho morto
pilhas de livros
tantas fogueiras
e luas ao redor do sol
e ainda as vozes que pairam sobre as cabeças
eu te amo te amo te amo?
a palavra amor
[esse móbile girante
objeto perfuro-cortante]
comporta a minha vida
e a tua?
(* poema extraído de LiteraturaBr - literaturabr.com, 05/04/2017)
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O LIVRO
Havia de encontrar
alguma velha ferida
e nela, supurando ainda
teu rosto:
outonos e infernos
esquecidos
entre páginas amareladas
e a dor, essa inútil traça.
alguma velha ferida
e nela, supurando ainda
teu rosto:
outonos e infernos
esquecidos
entre páginas amareladas
e a dor, essa inútil traça.
(* poema extraído do Portal de Poesia Ibero-americana, www.antoniomiranda.com.br)
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CORAÇÕES EM SÉRIE
meu pé esquerdo lateja
um coração que bate
descompassado
dentro do meu calcanhar
um coração de ossos
com um pequeno pássaro
sangrante e dolorido
no seu centro
um coração deslocado
ataviado por uma rede de nervos
que reverbera um nome.
meu pé esquerdo lateja
poderia ser um reino ou uma estrela.
(*poema publicado na Revista Acrobata, 09/08/2019)
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GNUS MIGRAM ATRAVÉS DO SERENGETI
Gnus migram através do Serengeti
borboletas monarcas aos milhões
atravessam as Américas
as renas percorrem mil quilômetros
para chegar ao norte
e o bobo-escuro
quase um albatroz
dá uma volta e meia no planeta
sessenta e três mil quilômetros em bater de asas
quase a mesma coisa que o trinta-réis do Ártico
só o homem
essa espécie estranha
feita de papel e assinaturas
entende o que é limite fronteira borda
só o homem
sabe o que é corrente cadeado corda
só o homem
essa espécie estranha
entende o que é polícia.
(* poema do livro 'O movimento dos pássaros')
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SOBRE O POEMA
Não necessito de outro chão
para andar
que não este poema.
A pedra do vocábulo
que ultrapasso
fere meu dedo
com seu aguilhão de zargun.
Este poema
território aberto
para além do mapa.
este poema
me alerta.
(* poema do livro 'O movimento dos pássaros')
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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.
fotografia do arquivo pessoal da autora
MICHELINY VERUNSCHK (ONÇA VERUNSCHK) é natural de Recife/PE e reside em São Paulo/SP. É escritora, romancista e poeta, historiadora, mestre em Literatura e Crítica Literária, e doutora em Comunicação e Semiótica.
Em 2004 foi indicada ao 'Prêmio Portugal Telecom de Literatura', com o livro de poesia 'Geografia íntima do deserto', sendo a única mulher estreante e também a mais jovem a ficar entre os dez finalistas. Com o romance 'Nossa Teresa - vida e morte de uma santa suicida', venceu o Prêmio São Paulo de Literatura de 2015, na categoria melhor romance escrito por autor estreante, no gênero acima de 40 anos. O romance 'Aqui, no coração do inferno' foi finalista do Prêmio Rio de Literatura, e o romance 'O peso do coração de um homem', finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2018.
Livros publicados: Geografia íntima do deserto (poemas, Landy/2003); O observador e o nada (poemas, Bagaço/2003); A cartografia da noite (poemas, Lumme/2010); B de bruxa: bonnus bonnificarum (poemas, Mariposa Cartonera/2014); Nossa Teresa - vida e morte de uma santa suicida (romance, Patuá/2014); Aqui, no coração do inferno (romance, Patuá/2016); O peso do coração de um homem (romance, Patuá/2017); O amor, esse obstáculo (romance, Patuá/2017); Maravilhas banais (poemas, Martelo 2017); O movimento dos pássaros (poemas, Martelo/2020); O som do rugido da onça (romance histórico, Companhia das Letras/2021).
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