A POESIA, O TRAÇO, A FOTOGRAFIA DE RAQUEL CAROLINA CARDEAL | Projeto 8M
Mulheres não apenas em março.
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão,
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
Não adianta limpar os dentes:
é falsa a dentadura que ilumina o espelho.
Equilibrar um copo na cabeça
e nele uma mulher que jamais me seguirá,
tudo isso é ilusão.
Nem inventar cafés cômicos
ou tentar arrancar de uma mão o que não existe.
Mentiras são balelas forjadas
entre gotas de suor e aflição contínua.
As ladeiras ainda me perseguem
enquanto os ônibus já rodaram cerca de mil horas comigo dentro.
E eu nunca consegui levar comigo um par de poltronas.
Os dados são generosos em alimentar-me inúteis esperanças.
As cartas nada falam.
Os astros explodiram.
Branca de Neve sumiu.
Alice, a alucinante Alice desapareceu com o coelho. Nenhum chapéu me leva mais longe que aqui mesmo.
Mas o que eu queria contar não era nada disso,
eram coisas e mais coisas acontecidas
nos tempos que puderam florescer as hastes das plantas dos nossos pés
- elas foram róseas, elas foram de ouro -
eram tempos de antanho.
Hoje eu só tenho que pedir perdão por isso tudo.
Por ser um buraco no chão.
Por ser um calo.
Por ser um motivo qualquer que eu não compreendo.
Por marcar um antes e um depois.
O meu próprio tempo - o outro -
criou separações
criou discórdias
criou o que eu na verdade não queria.
Algo que parece irreversível.
Não sei o que pensar.
Não sei o que dizer.
Talvez eu queira de novo a minha solidão.
Não vivo uma vida de linha contínua,
eu vivo fases de ir e vir,
de jamais permanecer.
-*-
Fugir para que lado agora?
A terra não me quer
o céu não me quer
mal me quer a lua
mal me quer o sol
mal me quer, bem me quer
e quem bem me quer eu não percebo.
Não sei.
Não acho forma
não tenho cor
não tenho cheiro.
Estradas interditadas
vontade de desaguar.
Tenho medo
de ficar contente de repente
de de repente ser feliz
ganhei mais tristeza do que esperava
mais rompimentos
secções
pedaços de nós.
Tenho medo
de ficar esperando o trem por toda a vida
de não chegar o tempo de ser alegre
de não conseguir tomar o bonde
de não alcançar o navio
de cair quando estiver voando
de não conseguir pedalar contra esse vento
de não ter cura esse gosto amargo
de não enxergar quando o sol nascer de novo
de não saber falar quando um irmão voltar da guerra.
Medo de não ter gesto algum
para receber os novos caules,
as novas sementes, os novos frutos,
os novos ventos e as novas folhas.
Medo de não ouvir quando baterem na janela.
Na porta, no ombro dessa vida toda.
Na alma - carregada, um dia, de esperança -
como num sonho bom.
Mas ainda tenho medo
é de não perceber quando alguém vier para falar
que o dia já saiu do calendário
e que no jardim uma outra flor nasceu
- que todos já despertaram -
medo de não ouvir, de não ver,
de nem ao menos poder responder
que já não posso mais despertar.
-*-
Nascemos de um silêncio
às vezes, constrangedor
às vezes, silêncio de humano amor
Do silêncio que somos
espia o cósmico-sagrado
por entre o que não somos.
(* Raquel Carolina Cardeal, poema de 1989)
-*-
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