A POESIA INTROSPECTIVA DE JULLIE VEIGA | Projeto 8M


fotografia do arquivo pessoal da autora

8M (*)

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)

Viaje na poesia introspectiva de JULLIE VEIGA:


AMOR MAIOR

Porquanto
narrei às paredes
e também aos céus 
toda a ânsia 
de sair de meu mundo
e ir até o fim do teu 
os pensamentos altívolos
estão cirandando as nuvens,
e suas esquinas,
e seus recamos.
Vibra, decerto, em meu peito
o todo dum amor imarcescível
que carrego comigo
e que é teu
tanto quanto meu.
E teus olhos, tão castanhos - também meus
lavados de mel e luz, brilhando mais que mil Sóis
como me chamassem
e me envolvessem
- silenciosamente -
em interrogatórios 
que não poderia, e não posso redarguir.
E, assim, vens!
E me amas, em igualdade
ganhando o meu amor todo
e o que de mais amor tenho
e, de mim, me escapa.
Sem reproches, engendrando um amor
mais que imenso,
maior que a eternidade!

(* poema publicado na 2a. Coletânea Poética Mulherio das Letras, p. 77; e na coletânea Elas e as Letras, p. 202)

capa da coletânea Mulherio das Letras 
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PAZ

A alvura que vejo em teus olhos
Contagia
E me acorda para a concórdia 
De mim decepada

O teu branco
Em todos os tons esparramados
Tocando a minh'alma
E das profundezas sinto
Que me é ainda sonhada
Querida
Desejada
A paz que deixei guardada

Paz passada
Morando numa ternura
Que parece não voltar

Concórdia possível 
Que grito, no íntimo 
E trago para o convívio 
Com os meus iguais
Que também ímpios, algozes
Me querem sucumbir

Armo-me das palavras
Das letras atiradas, docemente
Do querer ser amor
Na poesia que nasce
Na correnteza da dor
Da paz nunca finda

(* poema publicado na I Coletânea Contos & Poesias Mulherio pela Paz, p. 117)

capa da coletânea Mulherio pela Paz 
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VIVER MULHER-POETA, MEU ATO POLÍTICO 

Nem bem acordo e já penso na labuta do dia
Nos enfrentamentos, nas lutas, em cada resistir
Insisto em ser forte, em vencer até a morte
E que essa morte seja apenas ficção 
Pois que me quero muito viva nas batalhas

Luto para mim é verbo
Luto no corpo
Luto na alma
Luto palavra 

A palavra não me deixa
A pavra me habita
E vai traçando novos caminhos

Nos labirintos de mim
Escrevo sobre todas as realidades que me cercam
A palavra me deixa mais viva e consciente 
Minha voz não se permite silenciar
Sigo, pois, escrevendo as existências tantas
De ser mulher numa sociedade que quer determinar os meus passos
Minhas revoltas e lutas estão todas cravadas
Na pele e no papel

... e escrever vai me purificando de algum modo

E, nesse momento, encontro o real sentido de ser quem sou:
Mulher
Poeta
Aquela que milita desde o coração 
Até os confins da palavra

Luto
Resisto
Insisto
Existo
Sou a (R)Evolução 

(* poema publicado na Coletânea de Poesias e Contos O Livro das Marias, pp. 35-36)

capa da coletânea O livro das Marias 
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AS TODAS DE MIM

Eu,
meus eus,
os fragmentos,
os mosaicos
e as partes imiscíveis.
O que é surpresa,
o que choca,
o que fica,
o que vai
e se perde.
E me perco.
E me carrego
em descobertas
preservando o que já sei.
Eu, pesada
e tão leve.
Meus avessos,
as confusões,
as confissões,
alegrias,
tristezas.
Vicissitudes. 
Verossimilhanças.
E as tantas outras coisas que nem te direi,
pois que também sou silêncio. 
Sendo, sempre...
as todas muitas de mim, desde que vastas.

( * poema publicado na antologia Conexões Atlânticas, p. 64)

capa da antologia Conexões Atlânticas 
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HIATOS

Quando o poema nasce,
eu existo!
Quando o poema morre,
também  eu [me] vou com ele.

Quando faz suas pausas
- nem indo ou vindo -
escorro para dentro
e nada me sai.
Não me escapo de mim.

Interrompe-se interrompendo-me, simplesmente. 

E não escrevo
mesmo querendo escrever. 

A inspiração me nega
- a magia se quebra -
e deixa os meus verbos esquartejados
pelo caminho.

Sigo, sem fluidez
... sobrevivente da inquietação. 

(* poema publicado na   coletânea Elas e as Letras, p. 203)
capa da coletânea Elas e as Letras 
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POEMA DE EXÍLIO 

Muitas anestesias
Nessas longas horas
Para romper-me, agora
Numa poetização urgente

Dum lado, palavras 'emugrecidas'
Do outro, palavras me espicaçando e aturdindo

Nas travessias pelas alfândegas 
Abriram espaços 
Legitimando o meu pulsar
Noutras terras

Um reviramento
Bem intenso demais
Dessas letras tantas
Abrigadas nos silêncios meus

Às vezes, meu exílio 
Às vezes, uma quase morte
Mas volto escrevendo
E sempre que escrevo, vivo mais um pouco.

(* poema publicado na   coletânea Elas e as Letras, p. 204; e na Antologia Comemorativa Dia Internacional da Mulher Mulherio das Letras Portugal Poesia, p. 89)

capa da antologia Mulherio das Letras Portugal Poesia 
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FEBRE

No aconchego da manhã fria
Tuas palavras febris
- em mim, imperecíveis -
Convulsionam as horas
Tingindo calor

Devoro o ar quente que me ventas

Na mesa, o café esquecido
Sob os efeitos da termodinâmica 

(* poema publicado na Antologia Comemorativa Dia Internacional da Mulher Mulherio das Letras Portugal Poesia, p. 88)

fotografia do arquivo pessoal da autora
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EXORCISMO

estou um trapo
- não nego -
ainda soluço meus rios
solidão 
hei de exorcizar minha sobrevida

(* poema publicado na Colectânea Mulherio das Letras Portugal Poesia, p. 190)

capa da coletânea Mulherio das Letras Portugal Poesia 
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ORAÇÃO DE POETA [À MESA]

ando faminta
insaciável 
vazia, rogo palavra
[alça de sustentação de mim]
no prato de minha fome
escutai a minha oração!

(* poema publicado na Colectânea Mulherio das Letras Portugal Poesia, p. 190)

poema-imagem da autora 
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FLUIDEZ

a palavra é o fluxo
no rio de meu desamparo
vazio
imensidão 
correnteza
morte
e vida

(* poema publicado na Colectânea Mulherio das Letras Portugal Poesia, p. 191)

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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.

fotografia do arquivo pessoal da autora 

JULLIE VEIGA é natural de São Luís/MA. É escritora, poeta, antologista. Possui publicações em diversas coletâneas, antologias, revistas nacionais e internacionais. É idealizadora da coletânea Elas e as Letras e das antologias Nem Uma A Menos, e Movimento Palavras Pretas, feitas apenas por mulheres. Organizadora das antologias Mãe e Poetize-se!.

Livros publicados: Confessional (selo Sangre Editorial - Caravana Editorial); Ânima (São Paulo/SP: Versejar); entre outros.

Participação em coletâneas e antologias: 2a. Coletânea Poética Mulherio das Letras (org. Vanessa Ratton, São Paulo/SP: ABR Editora, 2018); Elas e as Letras (idealizadora e co-organizadora com Aldirene Máximo, São Paulo/SP: Versejar, 2018); Conexões atlânticas (org. Adriana Mayrinck, Lisboa/PT: In-Finita, 2018); I Coletânea Contos & Poesias Mulherio pela Paz (org. Alexandra Magalhães Zeiner e Vanessa Ratton, São Paulo/SP: ABR Editora, 2018); Elas e as Letras- Diversidade e Resistência (organizadora, São Paulo/SP: Versejar); O Livro das Marias (coletânea de poesias e contos, org. Jeovânia Pinheiro, São Paulo/SP : Ixtlan, 2019); Antologia Comemorativa Dia Internacional da Mulher Mulherio das Letras Portugal Poesia (org. Adriana Mayrinck, Lisboa-PT: In-finita, 2019); Colectânea Mulherio das Letras Portugal Poesia (org. Adriana Mayrinck, Lisboa-PT: In-finita, 2020); Elas e as Letras  - Insubmissão Ancestral (co-organizadora com Aldirene Máximo, Lisboa-PT: In-finita, 2021); entre outras.



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