A INCRÍVEL POESIA DE CLELIA PFEIFER | Projeto 8M

fotografia do arquivo pessoal da autora 

8M (*)

Mulheres não apenas em março. 
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão, 
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)


Surpreenda-se com a incrível poesia de CLELIA PFEIFER:


POR UM FIO

Preciso escrever, muito, sem parar, até calar toda a palavra
Preencher estes hiatos falsos, obtusos,
Preciso gritar
Ousar achar um fio
Um fio que me conduza para o avesso de tudo isto que roubaste de minhas janelas.

Preciso achar uma poética que reinvente esta realidade sem céu,
Sem chão.
Preciso saltar este abismo,
Quebrar os cristais das utopias que sonhei,
Arrancar as promessas traídas,
Aninhadas em minhas frestas, meus cantos.

Preciso gritar que estou por um fio,
Que em teu ato absoluto me fizeste poça d’água,
Evaporando ao sol tudo o que sonhamos.
Preciso gritar até achar um fio que me conduza
Para o avesso desta noite contínua,
E te deixar apenas como uma cicatriz muda
Em cada pedaço morto de mim.

ilustração de Lucy Campbell, via Pinterest 
-*-


'NAUFRAGIANDO'  

Caminhos, descaminhos, atalhos
Todos são becos sem saída
Acabam desembocando em nós mesmos!

Vincam a face, curvam o dorso
Ora pelo avesso, ora em pedaços
Vamos desconstruindo nossas catedrais
Desencantando nossas ficções
Vamos nos espremendo no corredor, sem paredes
De nossa realidade crua.

Caminhos, descaminhos, atalhos
São todos becos sem saída
Acabam desembocando em nós mesmos!

De olhos abertos vamos ao fundo
Sem fôlego,
Percorrer as sombras
De uma Lemúria adormecida
Até que nosso indômito recalcado
Nos arremessa para um céu
Onde cabe a dor inteira
E uma promessa oca.

Caminhos, descaminhos, atalhos
São todos becos sem saída
Acabam desembocando em nós mesmos!

imagem do Pinterest 
-*-


EDIFICIO MAESTRI

Sorvendo cada gota de água e ar,
Como minhas orquídeas em cativeiro,
Vejo nos vincos de minha face
Arco-íris de batom
Chapações blasés com banchás
Desacatos da nudez que ousamos vestir
Em madrugadas de motocicleta
Em solidões de jazzes e Macarena.
Tempos que dormíamos Gleen Miller
Mergulhávamos com Bach e Villa-Lobos
Desenhávamos Flora Purim e Gismonti
Arriscávamos com Hermeto
Acampávamos Uakti e Ravi Shankar
Cubas-libres com Jean-Luc Ponty
Marlboros e Dire Straits...
Biodança se inventando e querendo voar da sacada.
Arroz integral, pão do Zé, no Bom Fim,
Acabavam em yoga em Bombinhas,
Ou ancoragens improváveis na Ilha da Pintada!
Fomos locais e também "torre de babel".
Fomos nos perdendo e nos achando...
Hoje  
sorvo, no sofá, sparkling friday nights,
online
Me ubriaco com bossas e Yamandus
Mando nudes pra Barcelona
Enquanto la barca va,
quase sensa fiato
While this incarnation going on...

imagem do Pinteres
-*-


ELE

Presença volátil
Me diz que a vida é assim!
Que, como roupa lavada na pedra do rio,
Precisamos fazer o que é branco, o que é cor, brilhar!
Deixar ao sol escaldante, para além de qualquer realidade insana!
Ele me lanha com incongruências, simples e mundanas,
E me diz, que é para eu degustar, como sorvetes com pimenta!
Me diz que a vida é assim,
Sem senso, nem conexões.
Enquanto costura mágicas pelos lençóis,
Me faz revisitar os salões mais suntuosos de nossa história!
Me arrasta até galpões que não existem mais,
Para me mostrar a delícia dos saltos em montanhas de fenos!
Me distrai assobiando traviatas,
Rabiscando ideias improváveis,
Me faz perder o tempo das exatidões,
Enche de enredos os contratempos,
Ora vazios, ora plenos.
Me diz: “assim é o viver!”
Depois, adormece como criança,
Sem medo de não acordar.

imagem do Pinterest 
-*-


QUASE AZUL

Escapo correndo dos muros improváveis  
Das paredes obtusas que me atravessam  
E vou!

Afundo de mansinho no azul da Lagoa,
Minhas convicções cansadas
Me afogo de mansinho
Em calmaria rósea,
Quase azul.

Me afogo sem pânico 
Deixo na praia minhas chaves,
Deixo flutuar este viver inteiro,
Sem pudor,
Já quase todo vivido,
Desenhando, como Da Vinci em tissu mouillé,
Meus vincos e os ossos que ganhei.

Afogo, neste róseo da Lagoa,
Minhas certezas insólitas
E os julgamentos que calei...
Me diluo
Neste róseo quase azul
Desta luz que vem de cima.

imagem do Pinterest 
-*-


TENTO  

Tento!
Quais narrativas (gagas),
Fragmentos de nexos (de outrem)  
Que percorrem meus pedaços,
Relampejando meus nós, em tempestades luciféricas.
Tento com crayons e cansons,
Entre os laranjas e azuis que me atravessam!

Tento!
Antes que se decantem no limbo (escorregadiço do agora),
Que se esvaneçam no campo minado de minha memória cansada 
(Resiliência das dores)
Que se extraviem, ainda sementes (confundidas),  
No palimpsesto agramático do que já fui
E a incerteza de meu vir a ser!    

imagem do Pinterest 
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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.

fotografia do arquivo pessoal da autora 

CLELIA PFEIFER é natural de São Borja/RS e, depois de viver em Porto Alegre/RS, Blumenau/SC, Varese (Itália), e Winston Salem (EUA), desde o ano 2000 fixou residência em Florianópolis/SC. 

É graduada em Arquitetura, pela UFRGS; e em Design, pelo Instituto Orbitato e Universidade de Jaraguá do Sul/SC. Pós-graduada em Arquitetura Antroposófica, pela Politécnica de Milão. É estudante de Psicanálise, pela Unicamp (4 módulos). 

Formada em acordeon, adora tocar um instrumento, escrever, fotografar, plantar e cozinhar. 

Atua profissionalmente como arquiteta no "Studio Pfeifer, Arquitetura e Construção":
www.studiopfeifer.com.br



Comentários

  1. Clelia, que eflúvio infinitamente diáfano desse rio te jorra nesse leito lirico? Escondido em lençol freático por tanto tempo? Um grande abraço!

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    Respostas
    1. Obrigada, Rocio! Eheheh! Estive sim escondida, Nic Cardeal e Ligia Sávio me trouxeram até aqui!

      Excluir

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