A POESIA INQUIETANTE DE GISELLE RIBEIRO | Projeto 8M
8M (*)
Mulheres não apenas em março.
Mulheres em janeiro, fevereiro, maio.
Mulheres a rodo, sem rodeios nem receios.
Mulheres quem somos, quem queremos.
Mulheres que adoramos.
Mulheres de luta, de luto, de foto, de fato.
Mulheres reais, fantasias, eróticas, utópicas.
Mulheres de verdade, identidade, realidade.
Dias mulheres virão,
mulheres verão,
pra crer, pra valer!
(Nic Cardeal)
Mergulhe - de cabeça, corpo, coração, asas e alma! - na poesia inquietante, ousada, libertadora, e também reflexiva, da incrível escritora GISELLE RIBEIRO:
LEGADO
Muito cedo
minha mãe me levou ao oculista
depois de algumas perguntas,
ditas anamnese,
ele se pôs a olhar nos meus olhos…
acho que assim ele viu as imagens
escondidas que eu colecionava.
Por isso,
talvez,
me receitou:
lentes de metáfora.
Desde então
vejo os homens e suas sombras,
ouço as vozes das coisas
e sinto o pulso do poema
rompendo a inexistência.
(* poema do livro 69)
-*-
NÃO OUÇA OS MARIDOS DAS MULHERES DE ATENAS
escutei de ti a canção que me ensinaria
a ser mulher pequena demais
a lição desbotada
que minha mãe cantava
que a mãe dela repetia
trazida de longe pela minha bisavó
e tudo vinha feito
realidade vinda de outra mãe
que ouvia…
que repetia…
que perpetuava…
sei lá
melhor nem guardar
fazer fogueira queimar desamontoar
botar o nome na boca do sapo
fazer despacho para quem quiser
outra vez nos controlar
(* poema do livro Mulheres que suspendem o recreio)
-*-
SOBRE BARCOS ENCALHADOS
por vezes acordo três horas
quatro horas da manhã
para entrar na vida esse rio de águas turvas
devagar ensaio chegar na profundidade
quatro horas da manhã
para entrar na vida esse rio de águas turvas
devagar ensaio chegar na profundidade
difícil entender por que durmo pouco
o dia quando amanhece não tem luz
estou amanhecendo
(* poema do livro Mulheres que suspendem o recreio)
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PESSOAS PERDIDAS OU DESAPARECIDAS PELO AMOR
Heitor Gabriela Júlia Miguel Yuri Sophia Manuela
Mateus Alice Yasmim Helena
Rafaela Felipe Lucas Beatriz Daniel Enzo Teodora Ana
Valentina Valentina e Dina
Dina?
tem gente que ama perdidamente uma pessoa
e tanto e mais
que desaparece da vida das outras
pessoas
mas o amor não pede para ser elemento químico
símbolo CI, número atômico 17
amor é claro
não é cloro
amor não quer clarear, desbotar, apagar
as outras pessoas que atravessaram o seu caminho
amor é verbo em todos os tempos conjugado
presente
futuro
e passado
(* poema do livro Escola para mulheres safo)
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PORQUE SOU PLANTA NOVA
tu não mandas mais em mim
nas minhas medidas
no crescimento dos meus cabelos
na hora que devo falar
ou calar
ou nem isso ou nem aquilo
não sou mais a tua trepadeira
sou planta nova
comigo-ninguém-pode
(* poema do livro Escola para mulheres safo)
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NO LABIRINTO
ontem morri de infarto fulminante
hoje morro desses ponteiros rastejantes
essa engrenagem da vida que parece se esgueirar
cambaleia e não cai
quer dar a volta por cima
mas eu já estou lá embaixo
me procuro
me procuro
e não me acho
bebo Josefa inteira
danço pela casa um tango argentino
não sei se gosto de menina ou menino
ah que se foda
fica o dito pelo dito mesmo
não sou mulher de recuar
(* poema publicado em sua TL, 29.09.2022)
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(*) 8M: 8 de Março = Dia Internacional da Mulher: Projeto 'Homenagem a mulheres escritoras/artistas', iniciado em março/2021, por Nic Cardeal.
fotografia do arquivo pessoal da autora
GISELLE RIBEIRO (Giselle Maria Pantoja Ribeiro) é natural de Capanema/PA, e reside em Belém. É graduada em Letras - Licenciatura, pela Universidade Federal do Pará (UFPA); especialista em Tecnologia para a Educação Ambiental (UFPA); mestre em Letras, Lingüística e Teoria Literária (UFPA); e doutoranda em Estudos da Tradução, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Fez formação para Contadora de Histórias em Curitiba/PR e Belém/PA. É professora de Teoria Literária na UFPA, com ênfase em Teoria do Texto Poético, Fundamentos da Teoria Literária, Língua e Literaturas Francesa e Francófonas. É poeta e contadora de histórias.
Livros publicados: Objeto perdido (poesia, Copyright/2004); 69 (poesia, Copyright/2009); Pequeno livro de poemas para vestir bem (poesia, Copyright/2011); Isso não é um livro. Isso é um caracol (poesia, Ponto Press/2013); A princesa sem dons para tamanha felicidade (infantojuvenil, Paka-tatu/2019); A menina com sementes de Líria no pulmão (infantojuvenil, Folheando/2020); Um gato chamado cachorro (infantojuvenil, Folheando/2020); Escola para mulheres safo (poesia, Folheando/2020); Livro invisível ou livro ilustrado de poemas desbocados (poesia, Folheando/2021); Mulheres que suspendem o recreio (poesia, Folheando/2022).
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