Para não dizer que não falei dos cravos 04 | Oito Poemas de LUÍS AUGUSTO CASSAS

 

Para não dizer que não falei dos cravos (04)


Oito poemas de
LUÍS AUGUSTO CASSAS, em:

"PARALELO 17"


O MESTRE DO NÃO FAZER (p. 19)

jamais construí caminhos filosóficos jardins
de pedra casas de tijolos amarelos institutos
de sabedoria nuvens descalças nem adestrei
pumas para reverenciar cerejeiras

mas o vento em sua dança de sopro e arrebentação 
lançou palavras e fragmentos de letras que arrumei
nas páginas em branco com a ajuda das varetas de
caule de milefólio de I Ching

concluído estava o não trabalho e falaram as
estações: não tema ficar só e retirar-se do mundo 
e quanto eu menos fazia mais o vento soprava
e os poemas se desenhavam

-*-



VARIAÇÕES 33 (pp. 29-30)

A vida inteira 
fui feliz
secretamente feliz
sem que traísse o segredo
aos que me proclamavam 
incapaz para a proeza

A felicidade foi um barco
que naveguei calado
descrente de bússolas 
e cartas de bordo
confiante nas estrelas
e nos sinais das gaivotas

As variações 33
do demasiado humano
riscaram a carne da água 
mas o acontecimento da poesia
o serviço à beleza
e a sabedoria das coisas simples
inundaram de sutil alegria
a minha interioridade

Tudo transcorrreu
sem que desconfiassem
da minha secreta arte
de escândalos -
os momentos lindos
que jamais puderam
roubar

-*-



O ESTILISTA (p. 51)

poesia
estilo
de vida

mercúrio 
ativado
caminha
na tarde

belle de jour
coleções 
de ser
e estar

conduzir
a criação 
pelas mãos 

profissão 
mais 
antiga:

vestir 
a
luz

deixar 
a marca
no mundo

-*-



SANTA RITA DE CÁSSIA (p. 69)

poeta das causas impensáveis 
poeta das causas mais incríveis 
suplica à padroeira dos impossíveis 
recarregar a luz de seus fusíveis
tornar os seus pleitos defensáveis
fazendo que se tornem exequíveis

-*-


capa do livro Paralelo 17


OS POETAS (p. 75)

não cobramos cachês
flores batedores
& colchões 5 estrelas
para as apresentações 

não somos o centro do mundo
nem a última bolacha do pacote
embora pensem vivermos
na ponte aérea hades-olimpo

às vezes escrevemos mordendo
às vezes de cócoras 
isso já é o bastante 
para as nossas biografias

-*-



OS PEDINTES (p. 87)

todos somos mendigos
na oferta dos dias
erguemos as mãos 
ao desconhecido
suplicamos amor
aprovação paterna
destino de ouro
casa de campo
crédito celeste
transformação 
s/ sofrimento 
prometendo restituir
a graça alcançada
mas damos de ombros
aos que clamam
migalhas
sem perceber
que bloqueamos
a circulação 
da luz e jamais
a receberemos

-*-



CABIDEIRO DE CHÃO (p. 149)

penduro memórias 
c/ validades vencidas
pesadas lembranças 
descansam sobretudo
chapéus de feltro
saúdam sombras antigas
que sou senão entre
cachecóis e luvas:
aceno das utopias?
desfile de inverno?
flamejante galo no quintal
desfilando esporões de luz -
giramos em círculos
e ciscamos

-*-


EXCURSÕES (p. 153)

cada vez que júpiter 
sinaliza viagens
e encontros maravilhosos
plutão desconversa
obriga-me a revisitar
subúrbios estranhos

obrigado a reconhecer 
os podres desta carcaça
meu mercúrio em peixes
fica dando voltas 
em más companhias 
fazendo das tripas coração

-*-


fotografia do arquivo pessoal do autor


LUIS AUGUSTO CASSAS é natural de São Luís do Maranhão e reside em São Paulo. Escreve poesia desde os 10 anos. Aos 30 anos conheceu a obra de Carl Jung, I Ching, taoísmo, que lhe ampliaram nova compreensão da vida e do mundo. "À busca do transcendente, desenvolveu ampla experimentação, incorporação e dissolução de códigos, com o que vestiu seu azul".

Livros publicados (poesia): República dos Becos (Civilização Brasileira/1981); Rosebud (Massao Ohno/1990); O Retorno da Aura (Nórdica/1994); Ópera Barroca (Nórdica/1994); Liturgia da Paixão, Opus da Compaixão (Nórdica/1997); O Shopping de Deus & a Alma do Negócio (Imago/1998); Titanic - Boulogne: A Canção de Ana e Antônio (Imago/1998); Bhagavad-Brita: A Canção do Beco (Imago/1999); Deus Mix: Salmos Energético de Açaí c/ Guaraná e Cassis (Imago/2001); O Vampiro da Praia Grande (Imago/2002); Em Nome do Filho: Advento de Aquário (Imago/2003); Tao à MilanesaA Paixão Segundo Alcântara e Novos Poemas (Imago/2006); Evangelho dos Peixes para a Ceia de Aquário (Imago/2008); Poemas para Iluminar o Trópico de Câncer; A Mulher que Matou Ana Paula Usher (Imago/2008); O Filho Pródigo - Um Poema de Luz e Sombra (Imago/2008); Bacuri-Sushi: A Estética do Calor; A Ceia Sagrada de Míriam - Oferenda Lírica (Imago/2010); A Poesia sou Eu (Livro I: O Sentido (Relatos da Fumaça do Incenso), Livro II: O Paraíso Reencontrado (poesia reunida, Imago/2012); A Pequena Voz Interior & Outros Comícios do Vento (Penalux/2017); Paralelo 17 (Penalux/2018); Quatrocentona: Código de Posturas & Imposturas Líricas da Cidade de São Luís do Maranhão (Arribaçã/2021); Maria, a Fortaleza Sutil que Vence toda Força (Penalux/2023).


















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